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quinta-feira, 15 de março de 2012
quarta-feira, 7 de março de 2012
A QUESTÃO NUCLEAR
Texto abaixo de apresentação da questão nuclear ao CONSEP - CONSELHO EPISCOPAL PASTORAL, DA CNBB - CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
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> CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Conselho Episcopal de Pastoral – 5ª Reunião
Brasília - DF, 14 a 16 de fevereiro de 2012
Texto de apresentação da questão nuclear ao CONSEP - Conselho Episcopal Pastoral, da CNBB
Porque é importante discutir, no Brasil, a questão nuclear?
Chico Whitaker, fevereiro de 2012
I. O Quadro mundial
1. O desastre de Fukushima
A questão nuclear foi colocada de forma dramática em todo o mundo pelo desastre ocorrido na usina nuclear de Fukushima, Japão, em 11 de março de 2011.
Nesse dia o mundo foi sacudido pela noticia da tragédia que se abateu sobre o Japão, com um terremoto de 8,9 graus, um dos maiores de que temos conhecimento . Com epicentro a 130 km da sua costa leste, ele provocou em seguida um maremoto (tsunami) com ondas de mais de 10 metros de altura, que invadiram mais de 10 km de terra. Houve milhares de mortos e uma enorme destruição .
A essa tragédia se somou outra: um dique de 5,7 metros de altura que protegia reatores atômicos para produção de energia elétrica, na cidade de Fukushima, não resistiu a uma onda de 14 metros, e os reatores sofreram avarias, com a danificação dos seus sistemas de refrigeração que fez os reatores fundirem e ocasionaram explosões. A gravidade dessa segunda tragédia vai mais longe do que a das mortes provocadas pelo desastre natural, que enlutou milhares de famílias. Os equipamentos coletivos, casas e edifícios que ele destruiu podem ser reconstruídos e as perdas em bens podem ser indenizadas; enquanto a explosão de uma usina nuclear, alem das mortes imediatas que pode provocar, tem efeitos de médio e longo prazo, pela contaminação radioativa da terra, do ar, da água, das plantas e das pessoas, que ameaçará mais de uma geração com doenças como o câncer e provocará malformações nos que vierem a nascer, durante muitos anos . A dispersão de elementos radiativos provocada pela explosão de reatores e pelos vazamentos de água que os refrigera obrigou as autoridades a evacuar 3 mil moradores num raio de 3 km e logo em seguida 45.000 num raio de 10 km, depois aumentado para 20 km.
E até hoje todo o Japão se sente ameaçado pelos efeitos desse chamado “acidente nuclear”. Segundo o governo japonês os problemas hoje estão sendo resolvidos, mas ele é contestado pelos que dizem que “a declaração do governo se baseia em uma suposição. Não existe base científica e factual para comprovar que a situação está sob controle”.
O desastre ocorrido no Japão como que despertou o mundo para a questão nuclear. Foi como se Deus nos tivesse enviado um recado a nós, pobres seres humanos: cuidado com a tentação de se considerarem deuses...
A emoção reavivou a memória de outra tragédia, ocorrida há vinte e cinco anos, em 26 de abril de 1986, em Chernobyl, na então União Soviética. Se no Japão, pais dispondo de alta tecnologia, a natureza se encarregou de fazer surgir um imprevisto de rara magnitude, com o terremoto e o maremoto, na União Soviética o desastre foi devido a erros humanos. Os números são sempre impressionantes. O acidente teve 400 vezes mais radiação que a bomba atômica de Hiroshima, produzindo uma imensa nuvem de radioatividade que contaminou pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta região e atingiu, além da União Soviética, a Europa Oriental, a Escandinávia e a Grã Bretanha. 5 milhões de hectares de terra foram inutilizados. Foram evacuadas e reassentadas 200 mil pessoas . Um relatório da ONU de 2005 falava em somente 56 mortes até aquela data (e por isso mesmo esse relatório é contestado por Greenpeace) mas estimava que cerca de 4.000 pessoas morreriam por doenças provocadas pelo acidente . “E a explosão de hidrogênio e combustão da grafita usada para moderar aquele reator produziram uma nuvem que carregou produtos de fissão altamente ativos como o Césio-137 e o Estrôncio-90, para boa parte da Europa . Alguns desses produtos ainda são encontrados nos solos e contaminam alimentos na Ucrânia e na Bielorússia” .
A usina propriamente dita de Chernobyl foi então coberta por um enorme sarcófago de concreto e aço, que há pouco no entanto começou a vazar radioatividade. O novo sarcófago que se tornou necessário custará 740 milhões de euros (em torno de um bilhão de dólares), dos quais o governo da Ucrânia só conseguiu arrecadar 580 milhões, fazendo com que o tema tenha se tornado objeto da pauta das reuniões do G20, sem que se saiba ainda que solução será dada...
2. Segurança e custos
Escondidos no entanto por esses acidentes mais recentes e mais “tragicamente espetaculares”, por assim dizer, uma longa lista de acidentes vinham ocorrendo ao longo dos últimos 60 anos, desde que usinas nucleares começaram a ser implantadas nos países do mundo que contavam com recursos suficientes para fazê-lo (ver lista de 33 acidentes no anexo III). Nem todos foram noticiados com a mesma intensidade, uma vez que o conhecimento deles tende a apavorar a população. Por isso mesmo tenta-se minimizá-los quando ocorrem , e não se insiste em continuar falando deles ... É bom lembrar que o acidente de Chernobyl só foi anunciado quando foi detectada radioatividade fora da União Soviética... Segundo o professor Joaquim Francisco de Carvalho , a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recebe cerca de 10 a 15 notificações por ano .
O fato portanto é que essas aventuras tecnológicas não se mostram seguras . Causados pela natureza ou por erros humanos, que podem ocorrer até em países que dispõem de alta tecnologia... , esses acidentes vem determinando um aumento dos cuidados que devem ser tomados e da discussão sobre a possibilidade efetiva de evitar acidentes - uma vez que a explosão de um reator pode ter efeitos equivalentes ou muito maiores do que uma bomba atômica, quanto à dispersão de radioatividade. Essa questão da segurança passou assim a ser a grande preocupação – e única de fato, como se todo o problema fosse simplesmente esse.
O aumento dos cuidados automaticamente exigiu um aumento nos gastos para instalar e operar os reatores, o que coloca em questão também sua validade quanto aos custos da energia elétrica produzida por essa forma extremamente perigosa “de esquentar água para produzir o vapor que fará girar as turbinas que irão gerar energia elétrica”, como dizem os cientistas ... O Tribunal de Contas da França, em relatório solicitado pelo governo, concluiu que o investimento para manter ativas as usinas nucleares francesas será duas vezes maior entre 2011 e 2020 , em razão das medidas impostas pela Agência de Segurança Nuclear (ASN) à companhia EDF após o acidente em Fukushima .
Mas se os custos dessa prevenção terão que ser embutidos nos preços que pagaremos pela energia, tendendo a torná-la inviável, onde serão contabilizados os gastos com os desastres que ocorram? Quem os paga são os governos – ou seja, nós mesmos, através de nossos impostos. Serão eles deduzidos dos lucros das empresas que produzem energia e devolvidos aos cidadãos, tornando ainda mais inviável a aventura nuclear?
Quaisquer que sejam no entanto esses cuidados custosos, os cientistas não envolvidos com os interesses da industria nuclear não veem possibilidade efetiva de evitar acidentes e se mostram cada vez mais incisivos em negar a segurança dos reatores. O físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, declarou taxativamente , em entrevista ao jornal Metro Campinas: “Não há reatores totalmente seguros. É ilusão pensar isso”. Para o Professor da Universidade Federal de Pernambuco Heitor Scalambrini Costa, em palestra no Fórum Social Temático realizado em fim de janeiro de 2012 em Porto Alegre, não existe a possibilidade de risco zero na produção da energia nuclear . Para o Professor Joaquim Francisco de Carvalho do Instituto de Eletrotécnica e Eletricidade da USP, “Não existe máquina infalível nem obra de engenharia 100% segura” . Sabemos todos que os seres humanos não são capazes de tudo prever...
3. Repercussões políticas
Face a esses dados, é importante relembrar o que aconteceu depois de um dos acidentes nucleares mais conhecidos, o de Three Miles Island , nos Estados Unidos em março de 1979 – citado com Chernobyl e Fukushima como um dos três maiores conhecidos até agora. Esse acidente levou o governo norte-americano a abandonar seu programa de construção de novas usinas naquele país; a partir de 1979 ele decidiu cuidar somente da operação e segurança das 104 existentes. Mas esse exemplo infelizmente não foi seguido.
Somente agora, com a questão da segurança tornada ainda mais evidente pelo desastre de Fukushima, estão sendo tomadas decisões políticas contrárias a usinas nucleares, em muitos países. Na Alemanha, a pressão social levou o governo a suspender seu programa de construção de usinas nucleares e desativar as usinas existentes, todas devendo estar completamente paradas em 2021. A empresa alemã Siemens decidiu desativar seu setor nuclear. Na França, que é quase inteiramente dependente dessa forma de geração de energia , mergulhou-se numa grande discussão nacional sobre a necessidade e a possibilidade de “sair do nuclear”. Um plebiscito na Itália praticamente proibiu seu governo de pensar em implantar usinas naquele pais. A Bélgica e a Suíça estão fixando prazos para desativar suas usinas nucleares.
Apenas cinco dos 32 países que hoje mantém usinas – China, Índia, Japão, Coréia do Sul e Rússia – têm planos de criar ou aumentar suas instalações nucleares a longo prazo, segundo uma organização internacional ligada à industria nuclear (Nuclear engeneering), sem se referir ao Brasil . E as mesmas fontes informam que a Turquia, que tinha planos de construir sua primeira usina nuclear, abandonou esse projeto “pelos menos para os próximos 10 ou 20 anos”, segundo declarou seu primeiro ministro em 25 de julho de 2011.
Mas infelizmente, no entanto – e essa é a grande questão não discutida - a segurança dessas “bombas atômicas dormentes” que existem em tantos países é apenas parte do problema. E uma parte pequena do problema.
Duas outras ameaças muito mais violentas acompanham necessariamente a instalação e operação de usinas nucleares para produzir eletricidade. De ambas pouco se fala ou se evita falar. A primeira é o fato da construção e operação de usinas constituírem o passo decisivo para que se possa construir bombas atômicas. Tem-se receio de abordar essa ameaça, imersa que ela está na questão da segurança dos países, como se fosse uma temeridade entrar no campo dos segredos militares. A segunda é muito mais grave do que hipóteses de guerra atômica ou de disparo acidental de ogivas nucleares, exatamente porque ela já está se concretizando e se agravando à medida em que o tempo passa: a ameaça do “lixo atômico”, que não somente já está colocando em risco nossas vidas mas também a de muitíssimas gerações que nos sucederão no planeta Terra.
4. O risco da bomba
O risco da bomba é o risco da proliferação de armas atômicas. Todos nos lembramos do horror das bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Elas mataram imediatamente 140.000 pessoas na primeira dessas cidades e 80.000 na segunda, sem contar os que morreram posteriormente, vitimas das radiações. E as duas cidades foram arrasadas. Difícil pensar que hoje em dia algum governante de algum país possa decidir usar novamente essa arma para se impor pela força e pelo terror. Mas dispor de ogivas nucleares é assunto de predileção dos militares que almejam dissuadir outros países a usá-las contra seu país. Hoje há pelo mundo afora um grande número de ogivas nucleares esperando o momento de serem utilizadas, a partir de bases fixas ou moveis, como os submarinos atômicos. Ou de serem disparadas por engano, até com armas como o míssil norte-americano MX, ou Peacekeeper (Mantenedor da paz), desenhado para lançar 21 ogivas de 10 megatons cada uma para alvos separados a mais de 8 mil quilômetros...
Ora, por mais que se negue que os programas de construção de reatores para produção de energia elétrica tenham objetivos militares , o tratamento do urânio que os reatores nucleares exigem e o plutônio que dele resulta está a um passo da tecnologia necessária para a fabricação de bombas atômicas . Por isso, os que lutam contra essa proliferação acompanham unanimemente a denúncia feita pela “Fundação pela Paz na Era Nuclear”, dos Estados Unidos, em documento elaborado em solidariedade às vitimas de Fukushima:
"(...) programas de energia nuclear usam e criam materiais físseis que podem ser usados para fazer armas nucleares e assim, fornecem um caminho comprovado para a proliferação de armas nucleares. Vários países já usaram programas nucleares civis para fornecer materiais físseis para fazer armas nucleares. Outros países, particularmente aqueles que contam com instalações de reprocessamento de plutônio e de enriquecimento de urânio, poderiam facilmente fazê-lo se o decidirem. A propagação das centrais nucleares não só tornará o mundo mais perigoso, mas tornará mais difícil, se não impossível, a meta de um mundo livre de armas nucleares."
É dentro dessa perspectiva que se calcula que hoje em dia já tenham sua bomba ou estejam em condições de produzi-la a curto prazo, alem dos Estados Unidos, França, Rússia, e China, cerca de vinte outros países, entre eles África do Sul, Argentina, Brasil, as duas Coréias, Taiwan, Irã, Iraque, Israel, Líbia e Paquistão.
5. O Lixo atômico
A ameaça do “lixo atômico” é no entanto muito mais concreta e imediata. Ela é extremamente grave porque está incluída na rotina do funcionamento das usinas e por isso tornou-se aceitável como algo “natural”, de que não se pode escapar.
Esse “lixo” compreende tanto os equipamentos e instrumentos de trabalho usados na operação dos reatores como os resíduos do uso do combustível com o qual eles funcionam, as chamadas “cinzas da combustão de urânio” e os produtos de sua fissão . Os raios emitidos por essas substâncias são extremamente nocivos à saúde, porque possuem um grande poder de penetração, invadindo as células do organismo e podendo levá-lo à morte.
O grau de radioatividade pode ser baixo, médio ou alto. Com isso o lixo é classificado em diversas categorias. Os primeiros (LLW, de “low level waste” em inglês), mantém sua radioatividade durante “somente” 300 anos; os últimos (HLW, de “high level waste”) exigem, para perdê-la, milhares e até milhões de anos. Entre estes está por exemplo o plutonio 239, cuja “meia vida”, isto é, o tempo necessário para perder a metade de sua irradiação, é de 24.000 anos, ou o cesio 135, que perderá essa metade em 2,3 milhões de anos, ou ainda o iodo 129, que exigirá 16 milhões de anos para essa sua “meia vida”...
O documentário dinamarquês “rumo à eternidade” (“Into Eternity”), sobre a construção de um depósito de lixo atômico altamente radioativo em Onkalo, na Finlândia, começa dizendo que a humanidade tem 50.000 anos, as pirâmides do Egito 5.000 anos, e o lixo atômico tem que ser guardado 100.000 anos...
O lixo de radioatividade de vida curta, a ser portanto guardado à distância dos seres humanos “somente” durante 300 anos, correspondem a aproximadamente 90% de todo o lixo que se acumula. Podem ser compactados e acondicionados em tambores lacrados, como os que vemos nas fotos de Angra dos Reis, aqui no Brasil . O de vida radioativa média (ILW, de “intermediate” em inglês), que corresponde a aproximadamente 9% do lixo, já exige tratamentos para resfriamento, filtragens, diminuição de seu volume, etc, operações de alto custo e igualmente perigosas, antes de ser enterrado em poços profundos especialmente construídos. Já o de longa vida radioativa, em torno de 0,5%, como o conteúdo das famosas varetas de urânio que são colocadas no coração dos reatores, tem que ser, depois de vários tratamentos, envolvidos por vidro derretido, a ser enterrado em poços ainda mais profundos, debaixo de granito ou de pedras de sal .
Pode-se imaginar quantas vezes o território francês é cruzado, sem que a população saiba dos perigos que estão se movendo ali ao seu lado, com comboios de trens e caminhões levando de um lado para outro as 1200 toneladas de lixo que seus 58 reatores produzem a cada ano; chegando hoje já a mais de 50.000 toneladas, que tem que ser tratadas e estocadas de diferentes maneiras, segundo sua periculosidade, ao abrigo de terremotos e quedas de avião...
O grande escândalo é que as usinas existentes continuam ininterruptamente a produzir o lixo, que se acumula, enquanto os tecnocratas de plantão dele pouco falam e continuam a discutir o preço da energia produzida nessas usinas, sua posição na matriz energética, suas vantagens e desvantagens, suas condições de segurança. E os governos dele falam menos ainda, reagindo somente quando ocorre algum desastre nas usinas. Radioatividade não é problema deles, como pode atestar a Associação das Vitimas do Cesio de Goiânia, o mais grave episódio de contaminação por radioatividade ocorrido no Brasil, em 1986.
6. E os reatores para usos científicos e medicinais?
O dramático para todos nós é que o desafio colocado pelo lixo atômico leva de roldão toda a defesa que possa ser feita do chamado uso pacifico da energia atômica: construção e operação de reatores para a pesquisa científica e para a produção de substâncias radioativas uteis na medicina. Todos eles carregam consigo, pela produção automática de lixo atômico, a maldição da herança que os reatores deixam para as futuras gerações, qualquer seja o seu tipo e a sua finalidade – até mesmo aqueles que se destinariam “simplesmente” à propulsão de submarinos durante um longo período de tempo. Assim também as substâncias radioativas de uso medicinal criam de imediato enormes riscos ali mesmo onde são utilizados.
Um exemplo desse risco imediato foi o do já citado acidente com o césio 137 em Goiânia, no Brasil . Pouco mais de um ano depois do acidente ocorrido em Chernobyl, em 13 de setembro 1987, a irresponsabilidade dos proprietários de uma clinica de radioterapia em Goiânia os fez abandonar, no edifício do qual saíram, um aparelho contendo uma cápsula de menos de 100 gramas que continha 19 gramas de cesio 137, altamente radioativo . Pouco menos de um mês depois do alerta que foi dado 16 dias depois da capsula ter sido desmontada, faleceram suas primeiras quatro vitimas . A essas mortes se seguiram 60 outras, entre as quais a de funcionarios que realizaram a limpeza dos locais. O Ministério Público reconheceu 628 vitimas contaminadas diretamente, e a Associação de Vitimas do Césio 137 estima que mais de 6 mil pessoas foram atingidas pela radiação.
O lixo atômico nesse acidente, produzido por apenas 19 gramas de césio 137, foi de 13.500 toneladas, colocado em 14 containers lacrados contendo 1.200 caixas e 2.900 tambores, que deverão permanecer por pelo menos 180 anos debaixo de uma montanha artificial no município de Abadia de Goiás, ao lado de Goiânia, dentro de um receptáculo com paredes de um metro de espessura de concreto e chumbo.
Haverá pesquisa em andamento para não precisarmos de reatores para produzir materiais de uso medicinal, já que todo reator carrega consigo essa ameaça do lixo? O que fazer, até lá, com o lixo atômico proveniente de hospitais e clínicas, se é que estamos a salvo de outros acidentes como o de Goiânia, em que a irresponsabilidade se juntou ao desconhecimento do perigo que se esconde em aparelhos que manipulamos com a melhor das intenções?
7. O problema da mineração do urânio
Para complicar anda mais todo esse quadro, temos que considerar que os riscos começam antes: com a mineração do urânio. O urânio encontrado na natureza é o U238. Com o processo de seu enriquecimento, dele se extrai o U235 que, depois de sintetizado com oxigênio, é encapsulado para ser comercializado e usado sob a forma de pastilhas. Esse urânio enriquecido e encapsulado é o combustível usado dentro dos reatores.
No Brasil há uma mina de exploração do urânio, em Caitité, onde os problemas gerados na população alertaram algumas organizações da sociedade civil . A mina começou a funcionar em 2000. Desde então não para de crescer a incidência de câncer na população.
Segundo relatou Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA), no Fórum Social Temático de Janeiro de 2012 em Porto Alegre, “tudo começa com a explosão de dinamite na rocha, que gera o gás radônio , que não tem cheiro nem cor e vai ser inalado pelas pessoas, que nem sabem que isso está acontecendo. Este gás contamina a água, o solo, os produtos agrícolas, os animais, as pessoas. Ninguém sabe a extensão das contaminações na bacia hidrográfica abaixo. Até a água que a população bebia foi considerada contaminada”. E completa: “Desde sempre soubemos que é melhor deixar o urânio embaixo da terra”. A proposta dessa organização não podia ser outra senão a de que essa mina seja desativada, assim como todo o programa nuclear brasileiro. E que o governo implante um programa de atendimento da população atingida pelos vários efeitos da radioatividade .
Mas minério é fonte de divisas... Seu comércio pode ser extremamente rentável, especialmente se as usinas nucleares se multiplicarem pelo mundo... Estima-se que o Brasil tem a fortuna de 309.000 toneladas de minério de urânio ainda escondidas debaixo da terra. Há uma grande questão ética na busca de resultados econômicos e financeiros através de atividades que são prejudiciais aos seres humanos... Mas em que sistema vivemos, e em que lógica estão imersos nosso comercio internacional e nossa política de governo?
8. Conclusões preliminares
Talvez seja a junção de todas essas perspectivas – dos acidentes, da proliferação das armas atômicas, da mineração, do lixo atômico - que levou um monge budista de Hokkaido, no Japão, a afirmar, em entrevista dada em janeiro de 2012 em Porto Alegre, durante o Fórum Social Temático em preparação da Rio+20 (ver anexo I) que “existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”.
Sem nenhuma dúvida, estamos diante de um espantoso e terrível brinquedo de aprendiz de feiticeiro que é a manipulação do átomo, pretendendo domesticá-lo para dele retirar a energia que Deus inventou. Há muitos cientistas, tecnocratas, funcionarios de governo, militares e empresários que, pelo mundo afora, com diferentes objetivos, minimizam levianamente os reais riscos do uso da energia nuclear e sobre-estimam sua capacidade técnica, organizativa e financeira de os evitar. Com isso eles estão abrindo um enorme flanco de fragilidade para a continuidade da espécie humana, mais alem de todas as ameaças que hoje são denunciadas pelos que se preocupam com o meio ambiente. Desastres naturais, falhas de projeto, erros humanos, megalo-ambições e até ações enlouquecidas de terrorismo atingindo centrais nucleares, estações de tratamento de resíduos, minas de urânio, depósitos de resíduos e veículos de transporte de lixo atômico podem causar, a qualquer momento em nossos mais próximos entornos, catástrofes com trágicas repercussões.
Além disso, como já vimos, a própria atividade nuclear “normal” gera consequências de longuíssimo prazo. O mínimo que se pode dizer é que estamos diante de um autêntico filme de horrores. E o mínimo que uma sociedade consciente teria que fazer seria exigir que todos os reatores parassem até que se resolva o problema do lixo nuclear.
Mas onde se esconde a ética em nossos países, ditos desenvolvidos, em desenvolvimento ou “emergentes”?
II – O quadro no Brasil
1. “Nossa bomba” e nossos submarinos atômicos
A opção nuclear começou mal no Brasil. A decisão foi tomada durante o regime militar imposto ao país em 1964, com o general Costa e Silva criando, em 1967, o Programa Nuclear Brasileiro. A construção de Angra I começou em 1971, durante o governo do general Garrastazu Medici. Numerosas fontes afirmam que a decisão tinha por objetivo chegar à “bomba atômica brasileira”. Era o projeto do Brasil Grande.
É evidente que em nenhum momento o governo brasileiro assumiu publicamente que estivesse interessado em qualquer tecnologia bélica como a da bomba atômica . Mas vários detalhes vieram à tona, revelando a existência de um Programa Paralelo, com um objetivo bem claro: a bomba. Segundo o Acordo do Brasil com a Alemanha para a construção de Angra II e Angra III, a Alemanha cederia ao Brasil a tecnologia da construção da central nuclear, bem como o método de enriquecimento do urânio, um processo de altíssimo nível tecnológico, e ponto chave do ciclo nuclear que chega até a bomba .
Muitos laboratórios foram montados, equipamentos comprados, milhares de pessoas treinadas. Mas o processo de enriquecimento dos alemães era muito complexo e inviável para os fins que o Brasil desejava. O Acordo perdeu com isso quase que a metade de suas vantagens. Foi quando entrou o Programa Paralelo: criou-se o Centro Experimental Aramar, em Iperó, no interior do Estado de São Paulo, um complexo de pesquisa para desenvolver e controlar o processo de enriquecimento do urânio por ultracentrifugação, absolutamente clandestino e sem fiscalização internacional, mas com os três ramos das Forças Armadas brasileiras bem articulados .
Aramar continua a existir com limitados recursos financeiros encaminhados pela Marinha. Aparentemente, toda a busca por poderio bélico foi cessada, com o fim do governo militar. Ainda assim, aparentemente... E recentemente o vice-presidente da Republica, Michel Temer, fez uma visita a esse Centro de Pesquisa da Marinha, acompanhado de alguns deputados, da qual saiu bastante impressionado com o alto nível tecnológico encontrado, segundo os jornais...
Mas o interesse nuclear dos militares não se restringe a essa eventual busca da “bomba atômica” brasileira. Eles declaram outro objetivo dito de defesa nacional: construir um submarino impulsionado por um reator nuclear, que lhe dará mais tempo de imersão. Tal arma não serviria para carregar ogivas mas para proteger nossa reservas de petróleo no pré-sal, comandando o conjunto de seis submarinos normais já comprados da França... Na defesa desse programa juntam-se todos os argumentos possíveis . E quando o governo lança um programa de construção não de somente um mas de quatro submarinos, “fazendo o Brasil ingressar no seleto grupo de nações detentoras de uma das mais avançadas tecnologias militares”, não estão faltando os alertas quanto ao desequilíbrio das relações de poder dentro da América Latina .
2. Os reatores para produção de energia elétrica
A entrada do Brasil na construção de reatores destinados à produção de energia elétrica, escondida atrás da porta constrangedora da Bomba, é pelo menos vergonhosa para nós brasileiros.
Segundo o relato feito pelo Museu da Corrupção, mantido na Internet pelo Diário do Comércio, Angra I “foi resultado de um ambicioso programa nuclear durante a ditadura militar com a compra de equipamento duvidoso da americana Westinghouse, acusada de subornar o ditador Ferdinand Marcos das Filipinas” . Para lhe vender usinas...
A má qualidade do equipamento levou a que quebrasse 22 vezes provocando alguns acidentes, e Angra I entrou em operação somente em 1983. Ele jaz hoje na praia de Itaorna, ao lado de Angra 2, quase sempre desligado. Os físicos José Goldemberg e Luiz Pinguelli Rosa não poupam criticas, até com uma dose de humor: “É um PWR-Westinghouse, uma espécie de Fusca 1967, comprado nos Estados Unidos naquele ano. Seu apelido é vaga-lume. Quando está ligado, gera 650 megawatts. Mas como o nome indica, vive piscando. Mais apagado que aceso. Tem um dos mais baixos índices de eficiência do mundo”.
Já Angra II, que entrou em operação em 2.000, resultou do Acordo de Cooperação Nuclear firmado com a Alemanha em 1974 (que incluía a experimentação com o enriquecimento de urânio), em que se abandonou a tecnologia da Westinghouse e se previu o uso de tecnologia da Siemens. Esta hoje se retirou do mercado do nuclear mas já vendeu ao Brasil todo o equipamento de Angra III, que se encontra estocado à espera da conclusão das obras civis. A Siemens foi substituída em Angra III pela sua sócia, a empresa francesa AREVA, que se encarregará de completar a construção dessa usina.
Mas no programa nuclear de Angra o que se vê são atrasos, multas, juros e erros, desde as fundações mal calculadas de Itaorna (que se sabe que quer dizer, na língua indígena, terra podre). Segundo Goldemberg e Pinguelli Rosa, quando se discutia sobre a necessidade de concluir Angra 2, essa usina é um desses casos além do ponto de não-retorno. Desistir significa assumir um prejuízo maior do que o necessário para concluir. Para eles, era um desperdício monstruoso de dinheiro, mas concluir Angra 2 teria alguma racionalidade (desde que se quisesse manter o programa nuclear brasileiro...). Já para Angra 3, o raciocino não serviria. A Eletrobrás pretende construí-la no mesmo solo, sob o argumento de que 40% dos equipamentos já foram comprados. Mas, segundo esses mesmos físicos, ela não tem justificativa energética.
Ora, com todos os riscos criados pelas usinas nucleares, alem de seu alto custo (10 bilhões de dólares só em Angra III, sem contar os acréscimos que serão exigidos por força de novas medidas de segurança que passaram a ser exigidas depois do desastre de Fukushima) essas três usinas deverão responder por pouco mais do que 1% da energia elétrica disponível no Brasil. Porque então insistir na geração de energia elétrica através de reatores nucleares, se é que não se tem, como se afirma, o propósito de pretender “dominar o ciclo do combustível nuclear” para fins militares? E quando questões tecnológicas importantes, como a do lixo radioativo, permanecem abertas, sem solução, tanto no Brasil como no mundo? Porque continuar a discutir “perfumarias” técnicas, diante dos problemas criados pelo nuclear, que exigem muito mais seriedade política?
3. A necessidade de energia vinda de reatores nucleares
O argumento fundamental para construir muitas novas usinas nucleares no Brasil é o da necessidade absoluta de se dispor de uma quantidade crescente de energia elétrica para assegurar a continuidade do crescimento econômico do Brasil, lançando mão de todas as possibilidades existentes, para não ser surpreendido pela insuficiência na oferta ou por apagões desastrosos e os prejuízos que os acompanham. E dentro da tradicional prepotência tecnocrática, o governo agregaria, aos 86,4% da energia elétrica gerada no país pelas usinas hidráulicas e aos 12,4% gerados pelas usinas térmicas, a que fosse gerada por reatores nucleares, considerada a mais limpa (não emite gás carbônico) e a mais barata (será mesmo?) que as demais formas de obter energia elétrica, o que compensaria suas desvantagens. Feitos os cálculos e dispondo-se dos bilhões necessários para isso, poderia ser alcançada uma porcentagem de energia produzida por reatores atômicos muito maior do que o 1,2% atual, seguindo o (mau) exemplo da França que hoje atende a 77% de suas necessidades em energia elétrica com reatores nucleares. Nada portanto de novo.
A raiz da necessidade de cada vez mais energia elétrica é portanto o modelo de desenvolvimento que o Brasil adotou, reduzido a crescimento econômico ou, na melhor das hipóteses, crescimento com distribuição de (não da) renda, para que os shopping centers ganhem cada vez mais fregueses. Modelo esse que provoca hoje em dia em nosso país uma onda de ufanismo, no orgulho de ter conseguido passar ao largo da crise mundial (até agora) e ter se tornado a 6ª economia mundial, ultrapassando a Inglaterra.
Nesse quadro se sente livre a cada vez mais febril atividade das empresas brasileiras que terão lucros fabulosos com esse crescimento, o suficiente para financiar campanhas eleitorais com largueza. E que por isso estão há tempos pressionando cada vez mais o governo para que este contrate grandes obras de todos os tipos, como as grandes barragens – veja-se Belo Monte -, atividades de mineração (incluindo a de urânio), extensíssimas linhas de transmissão de energia elétrica, grandes e modernos portos para a exportação, novas ferrovias e estradas que nos liguem também ao Oceano Pacifico ainda que suas enormes máquinas tenham que invadir terras estrangeiras.
Dentro dessa onda que esmaga tudo à sua frente, por mais que setores sociais assustados com a grandeza de nosso futuro queiram reclamar, as atividades ligadas ao nuclear encontram também a euforia, para satisfação igualmente dos militares, para a construção de Angra III e novas usinas, submarinos atômicos e portos mais do que vigiados em que eles possam se reabastecer de combustível nuclear.
Centenas ou mesmo milhares de pessoas se somarão as que já são empregadas pela indústria nuclear, para produzir e vender equipamentos e matérias primas dentro e fora do Brasil. O poderio financeiro dessa indústria será capaz de construir em torno de si, pelos grandes meios de comunicação de massa, uma aura de progresso e modernidade da qual todos desejarão participar, exacerbando as necessidades insaciáveis de consumo criadas pelo sistema. A ganância abrirá ainda mais caminhos para a corrupção: grandes somas significam também grandes lucros e grandes “comissões”. Tudo isso ainda que em detrimento da segurança dos reatores que aqui sejam construídos, como vem se constatando que aconteceu no Japão vitimado pelo desastre de Fukushima. E o ambiente de negócios do Brasil se tornará entusiasmante – “agora sim, vamos “- empurrado pela sofreguidão de cada vez mais brasileiros que buscam entrar no ranking dos homens mais ricos do mundo, ainda que a custo de uma escandalosa concentração da renda e da manutenção de uma grande parte de nossos concidadãos em níveis de miséria, até que as migalhas caídas das mesas dos ricos cheguem a eles...
4. A desconcertante atitude do governo depois de Fukushima
Na verdade, só a pressão de um ambiente deste tipo explicaria a quase insensibilidade de nosso governo diante da tragédia do Japão e de todos os alertas que ela levantou. Estaria ressurgindo nas cabeças de nossos dirigentes políticos o sonho da Pátria Grande, do tempo dos militares, que ousavam inclusive pretender participar da corrida armamentista mundial que poderá, pelo uso de bombas atômicas, fazer o planeta Terra desaparecer?
Pesquisa feita pela BBC em todo o mundo depois de Fukushima revelou que 79% dos brasileiros eram contra a construção de novas usinas nucleares em nosso país. Mas nosso governo não se comoveu como nossos cidadãos. Ao contrário, segue alegremente dando continuidade a planos mirabolantes de energia nuclear, e não será este ou aquele funcionário mais consciente que irá parar essa máquina. “Nossos políticos não têm mostrado sensibilidade para rever posições equivocadas em relação ao nuclear”, afirmam os professores Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho, do Instituto de Eletrotecnica e Eletricidade da USP . “No dia seguinte ao acidente de Fukushima, o Ministro de Minas e Energia declarou que “as usinas de Angra são 100% seguras e o plano de construir outras não será revisto””. Segundo um assessor da presidência da Eletronuclear, responsável pela operação das centrais nucleares brasileiras, Angra III já tinha em seu projeto, mesmo antes do acidente no Japão, um sistema de segurança mais avançado do que o das usinas Angra 1 e 2 .
O governo, entretanto foi ainda mais longe apresentando o plano de construção de novas usinas à beira do Rio S. Francisco como de “salvação do Nordeste”... E na mesma linha de orientação o BNDES liberou, no fim de outubro de 2011, 308 milhões de reais para dar continuidade à construção de uma terceira usina em Angra dos Reis, enquanto a Eletronuclear anunciava que pretende investir 1,4 bilhão de reais nessa usina até o fim de 2012... Tudo isso sabendo-se que, como escreveram os Professores Joaquim Francisco de Carvalho e Ildo Sauer no jornal Valor de 13 de maio de 2011: Angra está perto dos centros mais densamente povoados e industrializados do Brasil. Um acidente nuclear ali provocaria perdas humanas e paralisaria grande parte da economia, como está acontecendo no Japão pós-Fukushima. Não precisamos correr esse risco.
Se essa é a orientação do governo quanto à construção de novas usinas, o que se pode esperar dele quanto ao terrível problema do lixo atômico? Os tecnocratas de plantão já estão ostentando sua total inconsciência desse desafio que está colocado para toda a humanidade. Com toda a candura um deles explica que uma das alternativas para resolver o impasse sobre o local onde depósitos de lixo devem ser construídos é a criação de uma espécie de “royalty inverso”, sistema em que os municípios receberiam dinheiro não pela extração de um recurso mineral mas para guardar o lixo radioativo. E completa: Não é um problema técnico, mas sim político. Na Coréia, por exemplo, o governo abre uma concorrência invertida. As cidades disputam para receber o depósito por conta das compensações financeiras. É, aliás, o que já começou a acontecer aqui no Brasil depois que o governo abriu uma primeira licitação para a escolha do lugar onde depositar o lixo atômico...
É triste, assim, ter de cogitar algo ainda pior: que a Presidente do Brasil, fiel a essa orientação, escandalize alemães, brasileiros e organizações mundiais durante sua visita à Alemanha programada para o fim do mês de fevereiro, levando aos parlamentares daquele país, que nesse mesmo fim de mês decidirão sobre a continuidade da Garantia Hermes à construção de Angra III, a mensagem de que ela é favorável a essa continuidade, porque quer terminar a construção de mais essa usina nuclear no Brasil. E porque não prosseguir, em seguida, inteiramente na contra-mão das tendências de hoje no mundo, o programa das demais usinas programadas no Brasil, com mais Garantias Hermes para a alegria do consorcio Areva-Siemens?
Antigas organizações ambientalistas da sociedade civil alemã, como Urgewald - que assume por solidariedade conosco uma luta que deveria ser nossa - assim como parlamentares alemães de diferentes partidos, estão empenhados numa intensa ação contra essa continuidade, inclusive com manifestações públicas em Berlim, porque ela será um flagrante exercício de uma moral dupla pelo governo de seu próprio pais: fechar as usinas nucleares da Alemanha, por serem prejudiciais aos seus cidadãos, mas ajudar a que se construam usinas nucleares em outros países.
Nesse mesmo sentido, denunciando o escândalo dessa moral dupla, cinquenta personalidades de muitos países, entre os quais muitos detentores do Premio Nobel Alternativo, acabam de entregar ao governo e ao parlamento alemão um apelo instando-os a não aprovar a continuidade da Garantia .
Mas qual é a lógica de nossas decisões políticas? Se eventualmente um dia decidirmos parar com a energia nuclear, continuaremos a exportar minério de urânio para os demais países que queiram comprá-lo?
5. Alternativas às centrais nucleares para aumentar a produção de energia eletrica no Brasil
Nessa altura de nosso raciocínio entram naturalmente as ponderações de cientistas não envolvidos nos interesses da usina nuclear, como os já citados Professores da USP Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho. Este último afirmou categoricamente, na primeira linha de um artigo no “O Estado de São Paulo” em 6 de abril de 2011: “O Brasil pode cobrir seu consumo de energia elétrica apenas com fontes renováveis de energia primária, sem apelar para usinas nucleares”. A mesma linha de raciocínio é desenvolvida pelo físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, que discorda da opção nuclear por países que ainda tem ouras fontes de energia que podem ser exploradas, como é o caso do Brasil .
No O Globo de 4 de abril o Professor Joaquim Francisco de Carvalho já dissera: “o Brasil não precisa correr o risco de acidentes em usinas nucleares, pois aqui a energia pode vir praticamente toda de um sistema hidro-eólico, com mínima complementação térmica a gás natural. E complementara: dessa forma será possível “armazenar” parte do imenso potencial eólico brasileiro em: reservatórios hidrelétricos, aumentando significativamente o fator de capacidade do sistema elétrico interligado”. E terminou lamentando: “É pena que as autoridades do setor não percebam isso”.
Ambos os Professores escreveram, em artigo conjunto publicado no O Globo de 23 de novembro de 2011: um sistema interligado hidro-eólico teria capacidade suficiente para oferecer eletricidade à população brasileira em escala comparável à de países de alto nível de qualidade de vida, como a França, a Alemanha e a Grã Bretanha. A reserva de segurança do sistema hidro-eólico seria constituída pelas termelétricas a gás já existentes nas diversas regiões do país, que seriam acionadas apenas nos raros períodos hidro-eólicos críticos, com mínimo impacto sobre o custo da energia produzida pelo sistema interligado.
Antecipando-se à provocação do lobby nuclear, perguntando-lhes se sua oposição a usinas nucleares os levaria a optar por construir mais Belos Montes, eles esclareceram, em artigo publicado em 13 de maio no O Globo: “um aproveitamento como o de Belo Monte” poderia ter dado lugar “a hidrelétricas com reservatórios pequenos, escalonados ao longo dos rios, com melhores atributos socioambientais. Para suprir pequenas cargas isoladas, seriam instalados mini-aproveitamentos motorizados com turbinas hidro-cinéticas, evitando a construção de malhas de transmissão pela floresta. E completaram: é indispensável que se faça um inventário dos aproveitamentos hidráulicos e eólicos, ordenando-os por mérito econômico e socioambiental; e que se institucionalize um processo decisório submetido a controle público, para organizar a seqüência das usinas a serem construídas e descartar as que apresentarem problemas insuperáveis” .
Indo mais longe, eles afirmaram no artigo publicado em O Globo de 23 de novembro de 2011, supracitado: “O Brasil dispõe de fontes energéticas muito mais econômicas do que o urânio, que, ademais, são renováveis e não oferecem riscos de acidentes catastróficos como os de Chernobyl e Fukushima. Entretanto, alguns funcionários de estatais argumentam que as usinas nucleares são indispensáveis “para aproveitar as 309.000 toneladas de minério de urânio existentes no Brasil” . A nosso ver, usar esse urânio para gerar eletricidade, seria o mesmo que começar a fumar (mesmo sabendo que esse vício é letal) só porque um comerciante oferece cigarros de graça”...
E não puderam deixar de sonhar, como deveriam fazer nossos responsáveis políticos:
“Mediante o aproveitamento de seu inigualável potencial energético renovável (energias hidrelétrica, eólica, fotovoltaica, etc.), o Brasil poderia se transformar no primeiro grande país do mundo a ter um sistema elétrico inteiramente sustentável, vantagem que colocaria a indústria brasileira entre as mais competitivas do mundo”.
Na perspectiva do sonho, pode-se também falar, para criar um quadro mais otimista, de outras experiências em curso na Europa, como a de hélices movidas pelas correntes marítimas no fundo dos mares, ou a geração descentralizada de energia, de fonte eólica e solar, capaz de suprir necessidades menores como as domesticas ou de pequenas empresas e mesmo de alimentar, com remuneração, as redes principais com sua produção excedente. Como poderíamos pensar, absolutamente dentro do objetivo do crescimento econômico, na potencialmente alta possibilidade de desenvolvimento da indústria dedicada à produção de equipamentos eólicos e solares em vez de reatores atômicos. Inclusive baseando-nos, por incrível que pareça, em programas já em curso no Ministério das Minas e Energia visando objetivos desse tipo.
Na perspectiva da ação podemos considerar tudo que poderia ser feito, pelos nossos governos, em programas reeducativos de toda a população para o consumo consciente de energia. E, em nosso clima tropical, revendo os currículos das escolas de engenharia e arquitetura, para que nossas construções não nos obriguem a trabalhar fechados em salas com luz artificial e ar condicionado ,.
Uma ultima observação me parece importante: tanto o professor Joaquim Carvalho como o Professor Ildo Sauer, acima citados, se dispõem a esclarecer os senhores Bispos, em reunião do Conselho Permanente ou na Assembleia Geral, sobre as dúvidas que tenham sobre a questão nuclear no Brasil.
III – O que fazer?
Terremotos e maremotos, que parecem não ameaçar nosso país, estão fora do controle dos seres humanos. Mas a longa lista de acidentes já ocorridos no mundo, por falhas humanas, de máquinas e de projeto, tem que nos alertar. Poderemos ficar observando tranquilamente o que venha a ser decidido e feito em nosso país, como um assunto secreto, até que o pânico nos domine? O mínimo a exigir na questão nuclear é a transparência máxima.
Temos a obrigação de evitar as tragédias evitáveis, mais ainda quando atingem um numero incontável de nossos irmãos e irmãs em várias gerações, como ocorre com os acidentes nucleares. Temos que interromper a produção atualmente ininterrupta de lixo atômico que se deixará como herança às futuras gerações. Temos o dever de evitar que a tentação de tornar nosso país uma potência atômica tome conta de nossos governantes.
Se forem verdadeiras as afirmações do monge de Hokaido, já citadas (“existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”), estamos diante de um problema ético especialmente grave. Por isso mesmo já há muita gente no Brasil que está se mobilizando com esses objetivos. Cabe a cada um de nós dar a sua contribuição.
1. Plebiscito e outras iniciativas parlamentares
Muitos de nós já cogitaram propor um plebiscito no Brasil sobre a opção nuclear, nos moldes daquele que foi realizado na Itália quando o desastre de Fukushima estava ainda quente na memória coletiva. E nesse sentido já rapidamente agiram o deputado Ricardo Izar (ex-PV de São Paulo) e o senador Eduardo Suplicy (PT de São Paulo), apresentando projetos de lei com esse objetivo na Câmara e no Senado.
Apesar desse tipo de consulta ser de fato a forma mais democrática de tomar grandes decisões políticas, seria temerário realizá-la. Não podemos ser ingênuos. Menos ainda diante de uma decisão de consequências quase eternas. Sabemos que o poderio do lobby nuclear no Brasil, frente a um plebiscito, mobilizaria muitos de seus imensos recursos para enfeitar com agradáveis cores a opção nuclear e consolidaria suas alianças com tecnocratas, políticos corruptos e empresários gananciosos. Nossa vitória num tal plebiscito não obstaculizaria a continuidade de pequenos negócios mas de enormes interesses comerciais, de países como por exemplo a França, cuja empresa gigante AREVA exporta equipamentos nucleares para todo o mundo, e em seguida arranca suculentos contratos de assistência técnica, reposição de peças, etc. Grandes lobbies internacionais se juntariam aos interesses dos brasileiros mais ávidos de dinheiro e poder. Eles procurariam por todos os meios desqualificar os que se opõem à energia nuclear (como o faz o Presidente Sarkozi, na França, perguntando aos seus concidadãos se preferem voltar à luz das velas...), ou embaralhar a compreensão da questão, à qual não faltam aspectos técnicos extremamente difíceis.
Por outro lado, como seres humanos temos uma enorme capacidade de nos esquecer de tragédias, o que é psicologicamente explicável, para conseguirmos sobreviver à dor. Ou seja, até as emoções mais fortes passam, como já passou todo o medo que tomou conta dos europeus quando a nuvem radioativa produzida pelo acidente de Chernobyl se espalhou pelos céus da Europa. Se a BBC fizesse nova pesquisa entre nós nos dias de hoje, será que o resultado seria tão contundentemente contrário a novas usinas nucleares, já que uma boa parte dos 79% que era contra aceitava que Angra I e II continuassem a funcionar e até que se construísse Angra III?
A desinformação é generalizada. Sabemos muito pouco dos diversos aspectos envolvidos na questão nuclear e sobre todos efeitos da opção nuclear. O resultado de um plebiscito que autorizasse a construção de usinas seria mais desastroso que um acidente que ocorra em uma de nossas usinas – que Deus nos guarde desse pesadelo. Porque a industria nuclear se sentiria legitimada pela vontade popular para implantar usinas nucleares pelo Brasil afora, aumentar a mineração de urânio ao máximo, criar depósitos de lixo atômico, descarregando nos ombros de todos nós a responsabilidade de deixar essa terrível herança aos nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos, e seus descendentes por muito tempo...
Deixando de lado o plebiscito, outros parlamentares (Deputado Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, e Senador Cristovão Buarque, do PDT do Distrito Federal) apresentaram projetos de emenda constitucional (PECs), para os quais já têm o numero regimental de assinaturas em cada uma das Casas, vedando a construção de novas usinas nucleares no Brasil. Há também outras iniciativas parlamentares de cujos detalhes não disponho.
2. A resistência da sociedade
Mas a sociedade civil também vem se movimentando. Ainda no mês de março de 2011, em que ocorreu o desastre do Japão, muitos brasileiros e brasileiras, depois de participarem de iniciativas a nível internacional , começaram a discutir como agir em nosso pais contra a loucura nuclear. Realizaram-se então no dia 15 de abril, concomitantemente no Rio de Janeiro e em São Paulo (por pura coincidência na mesma data), duas reuniões com o objetivo de organizar os interessados em lançar algum tipo de ação.
A reunião de São Paulo, realizada na USP por iniciativa de professores dessa Universidade , resultou na criação de uma “Coalizão contra Usinas Nucleares no Brasil”, voltada especificamente para a luta contra a construção de novas usinas, pelo desmantelamento de Angra I e II e pela interrupção da construção de Angra III. Reunindo pessoas e organizações já engajadas nessa luta, como, entre outras, Greenpeace, a “Coalizão” logo redigiu um Manifesto, apresentado no anexo VI deste texto, que pouco a pouco recebeu mais de 800 assinaturas de adesão.
A reunião no Rio, realizada por iniciativa, entre outras pessoas, de integrantes da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil, resultou na criação de uma “Articulação Antinuclear Brasileira”, que abrangia participantes de todo o Brasil e incluía em seus propósitos, alem da luta contra novas usinas e pelo desmantelamento de Angra I, II e III, a luta contra a mineração de urânio, contra o lixo atômico e contra o transporte de materiais radioativos, e pelo apoio às vitimas do acidente com o césio 137 em Goiânia. A “Articulação” também redigiu seu Manifesto, apresentado no anexo V deste texto, imediatamente assinado pelas 21 pessoas que a criaram, representando suas organizações, e divulgado em maio de 2011 no 1º Festival Internacional de Filmes sobre Energia Nuclear “Urânio em Movi(e)mento”, no Rio de Janeiro; na Semana de Meio Ambiente da UFBA (Salvador-Ba) em 1º de junho, e, em 2 de junho, na Semana de Meio Ambiente de Caetité (Ba).
A “Coalizão” e a “Articulação” logo se entrosaram, realizando reuniões conjuntas mas mantendo sua autonomia, criaram listas de discussão na Internet, dotaram-se de blogs para se comunicar com a sociedade (brasilcontrausinanuclear.com.br e antinuclearbr.blogspot.com).
3. Ações em curso
As ações que estão resultando dessa mobilização e organização são de vários tipos.
3.1. O trabalho de esclarecimento da população.
Dada a absoluta e urgente necessidade de acordar muito mais gente para nos defendermos do que já está caindo sobre nossas cabeças, estão pouco a pouco se multiplicando os instrumentos (textos, folhetos, dossiês, cartazes) sobre os riscos nucleares, a serem difundidos em escolas, sindicatos, igrejas, associações de moradores, rádios comunitárias. Este trabalho, ainda vagoroso, está começando a ganhar ritmo, para o que se espera contar com os efeitos das diversas outras iniciativas. Mas teríamos que chegar rapidamente ao ponto em que se chegou, por exemplo, na cidade de Mielno, na Polônia onde o Governo pretendeu implantar uma usina nuclear: um plebiscito lá realizado no dia 12 de Fevereiro de 2012 contou com a participação de 57% de sua população e 94% desses participantes disseram Não à usina .
Cabe fazer neste aspecto menções especiais à potencialidade de três iniciativas já tomadas no trabalho de esclarecimento e mobilização:
- Caravana organizada entre os dias 28 e 31 de outubro de 2011pelo Movimento Ecosocialista de Pernambuco (que participa da Articulação e da Coalizão) às quatro cidades da beira do São Francisco onde o governo anunciou que construiria centrais nucleares: Belém do São Francisco, Floresta, Itacuruba e Jatobá. No final da caravana, que levou a discussão da questão das usinas a toda a população dessas cidades (ver convite para participar no anexo VII), foi redigida uma “Carta de Itacuruba” (ver no mesmo anexo VII). Um cordel, forma poética tradicional no Nordeste do Brasil, foi composto por um dos participantes. (ver anexo VIII) ;
- disponibilização, para difusão geral, pela ONG Uranium Film Festival (www.uraniumfilmfestival.org), dos 70 filmes que ela já reuniu denunciando o nuclear e que compõem o seu “Arquivo amarelo”; os membros dessa ONG estudam a proposta de equipar uma (ou se possível mais de uma...) kombi, com projetores para circular pelo Brasil afora com filmes sobre o nuclear. Só podemos esperar que surjam muitas pessoas dispostas a apoiar esta iniciativa, que poderia ter uma repercussão decisiva no trabalho de esclarecimento e mobilização;
- oficina realizada em conjunto pela “Articulação” e pela “Coalizão” no Fórum Social Temático Rumo à Rio+20, no dia 26 de janeiro de 2011, que atraiu 50 pessoas que puderam ouvir testemunhos e ter informações sobre o propósito de construir usinas no Brasil, sobre a mineração e sobre o acidente do cesio 137 em Goiânia, alem de poderem assinar a Iniciativa Popular com sugestão de Emenda Constitucional (PEC) vedando a construção de usinas.
3.2. A pressão contra a Garantia Hermes na Alemanha
A já citada pressão para que o parlamento alemão suspenda a Garantia Hermes para a construção de Angra III parece ser a ação mais urgente e mais estratégica a desenvolver. Sem essa Garantia, o negócio deve se tornar menos atraente para a Areva-Siemens (consorcio criado em 2005 substituindo a Siemens-KWU, que constrói Angra 3) e sua suspensão obrigará a que se monte todo um novo esquema financeiro, que poderá atrasar ainda mais a obra e possivelmente inviabilizá-la. E a interrupção de Angra ampliará a discussão sobre usinas nucleares no Brasil.
A ONG ambientalista alemã Urgewald está bastante empenhada nessa pressão, há vários deputados alemães que já estão se posicionando contra a concessão da Garantia, por não concordarem com a moral dupla em que essa concessão se apóia; vários deputados brasileiros enviaram cartas nesse sentido a parlamentares alemães; duas dezenas de organizações brasileiras enviaram uma carta conjunta aos mesmos destinatários com os mesmos objetivos; cinquenta personalidades internacionais, como já citado, movidos pelas mesmas razões éticas entregaram um apelo ao governo alemão para que reveja os critérios de concessão da Garantia, e a ordem dos Advogados do Brasil prepara o envio de uma mensagem aos parlamentares alemães sobre a insegurança jurídica da obra de Angra III, que poderá ser suspensa e até embargada se o Superior Tribunal Federal do Brasil acolher sua Arguição quanto à sua ilegalidade. Alem dessas pressões na Alemanha, Greenpeace fez mobilizações com o mesmo objetivo na Argentina e no Chile
O Parlamento alemão deverá tomar essa decisão na ultima semana de Fevereiro, razão pela qual é extremamente preocupante a viagem que a Presidente Dilma fará aquele pais exatamente nessa data, como já foi dito anteriormente.
3.3. Iniciativa Popular de proposta de PEC
No quadro de uma campanha mais ampla com o titulo “Brasil livre de Usinas Nucleares”, a Coalizão e a Articulação elaboraram uma Iniciativa Popular visando a apresentação, no Congresso Brasileiro, de um projeto de Emenda Constitucional – PEC, vedando a construção de novas usinas no Brasil e determinando o desmonte de Angra I e II e a interrupção da construção de Angra III.
Como se sabe, a Iniciativa Popular é um instrumento de participação dos cidadãos na elaboração legislativa criado pela Constituição de 88, exigindo que o projeto seja subscrito por 1% do eleitorado, o que corresponde hoje a perto de um milhão e meio de assinaturas. Esse instrumento só pode, porem, ser utilizado para a apresentação de projetos de lei, e não de emendas constitucionais. Sabe-se, no entanto, também, que na prática nenhuma Iniciativa Popular tramita como tal, pela impossibilidade material de verificação do número e da validade das assinaturas, sem o que as leis que delas resultem poderiam ser contestadas por vicio de iniciativa. Diante disso, foi adotado, nas três Iniciativas Populares já apresentadas ao Congresso nestes 23 anos, o sistema de transformá-las em Iniciativas Parlamentares, assinadas por parlamentares que mereçam a confiança das organizações que as promovem. Nesse quadro as assinaturas de 1% do eleitorado tem acima de tudo um peso político e não formal.
Ora, isto permite que se promovam Iniciativas Populares de Emenda Constitucional, que se tornam assim “propostas de PEC” a serem assumidas pelos parlamentares que as assinariam se fossem um simples projeto de lei, tendo no entanto que obter o numero mínimo de assinaturas de parlamentares exigido constitucionalmente. Esse é portanto o processo que está sendo usado no caso da Iniciativa Popular proposta pela “Coalizão” e pela “Articulação”.
Trinta organizações assumiram até agora a condição de proponentes e 10 a de apoiadoras da Iniciativa Popular, e as folhas assinadas começam a se acumular. Dada a urgência da iniciativa, que é um instrumento importante para colocar a questão nuclear em debate, no trabalho de esclarecimento da população, não foi possível esperar pela CNBB. Mas ainda está em tempo, já que a cada dois ou tres meses publicamos uma nova edição do formulário de coleta de assinaturas, agregando os nomes daquelas entidades que vão se associando ao esforço. E está em tempo, mais ainda, da CNBB se associar à coleta de assinaturas, repetindo sua experiência com a Lei 9840 e com a Lei da Ficha Limpa. Se me fosse autorizado sonhar, ficaria imaginando a possibilidade dessa decisão ser tomada na próxima Assembleia Geral...
3.4. A comemoração do 1º aniversário do desastre de Fukushima
Uma ONG francesa, país do mundo mais encalacrado na armadilha do nuclear, chamada “Sair do Nuclear” (Sortir du Nucléaire) está promovendo uma “corrente humana” ligando as cidades de Lyon e Avignon, região onde estão muitas das usinas nucleares daquele país, no dia 11 de março de 2012, data em que se comemora o 1º aniversário do desastre de Fukushima. Será um ato de solidariedade aos japoneses e de protesto contra o uso da energia nuclear para produzir energia elétrica.
Essa ONG está convidando pessoas e organizações do mundo todo a fazerem o mesmo em seus paises, nessa mesma data. Em muitos lugares algo está sendo organizado. No Brasil já há atividades desse tipo sendo preparadas pelo menos em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Angra dos Reis, Salvador da Bahia, Caitité (onde se encontra a mina de urânio). Atos em outras cidades se agregarão, todas combinando a atividade com a coleta de assinaturas na Iniciativa Popular.
Ao que parece o Templo Budista de Brasília organizará alguma coisa também nessa data. Fica o convite para que algo se faça na capital federal.
3.5. A constituição de uma Frente Parlamentar e Chernobyl
Está sendo discutida a formação de uma Frente Parlamentar por um Brasil Livre de Usinas Nucleares. Como vários parlamentares escreveram aos seus colegas alemães sobre a concessão da Garantia Hermes, eles já constituem uma base para a formação dessa Frente, que seria fundamental para que se pudesse aprovar no Congresso a PEC que estamos propondo.
Ao mesmo tempo, a ONG suíça “Cruz Verde Internacional”, fundada por Gorbatchev, está estudando a possibilidade de uma comitiva de parlamentares brasileiros integrarem a delegação (com suíços, alemães e franceses) que fará uma visita a Chernobyl de 23 a 27 de abril próximo. Tais visitas tem se revelado decisivas: os que delas participam se convencem da necessidade de abolir definitivamente o uso de usinas nucleares para produzir eletricidade. Foi proposto igualmente que uma representação dos Bispos brasileiros participasse dessa delegação.
3.6. Rio + 20
A realização da Conferência das Nações sobre meio ambiente no Rio em Junho próximo, a chamada Rio+20, será uma oportunidade de ouro para que a sociedade brasileira mostre ao resto do mundo que está decidida a extirpar de nosso território a terrível ameaça dos acidentes nucleares e do lixo atômico. Se tivermos chegado até lá a um número significativo de assinaturas em nossa Iniciativa Popular, caberia dentro dessa Conferência um ato comemorativo importante, ao qual se somariam todos os que, em outros países do mundo, vem lutando pela mesma causa. A constituição nessa ocasião de uma Coalizão Mundial contra Usinas Nucleares, ou por um Mundo Livre de Usinas Nucleares, poderia ser um marco importante da história da humanidade, ou de uma Humanidade que pensa nas gerações futuras.
A guisa de conclusão, eu tomaria a liberdade de dizer, como cristão, que a CNBB não pode se ausentar desse debate. Mais do que isso, deveria contribuir com toda a força que tem para que ele se espalhe por todo o país, imediatamente, antes que seja tarde
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> CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Conselho Episcopal de Pastoral – 5ª Reunião
Brasília - DF, 14 a 16 de fevereiro de 2012
Texto de apresentação da questão nuclear ao CONSEP - Conselho Episcopal Pastoral, da CNBB
Porque é importante discutir, no Brasil, a questão nuclear?
Chico Whitaker, fevereiro de 2012
I. O Quadro mundial
1. O desastre de Fukushima
A questão nuclear foi colocada de forma dramática em todo o mundo pelo desastre ocorrido na usina nuclear de Fukushima, Japão, em 11 de março de 2011.
Nesse dia o mundo foi sacudido pela noticia da tragédia que se abateu sobre o Japão, com um terremoto de 8,9 graus, um dos maiores de que temos conhecimento . Com epicentro a 130 km da sua costa leste, ele provocou em seguida um maremoto (tsunami) com ondas de mais de 10 metros de altura, que invadiram mais de 10 km de terra. Houve milhares de mortos e uma enorme destruição .
A essa tragédia se somou outra: um dique de 5,7 metros de altura que protegia reatores atômicos para produção de energia elétrica, na cidade de Fukushima, não resistiu a uma onda de 14 metros, e os reatores sofreram avarias, com a danificação dos seus sistemas de refrigeração que fez os reatores fundirem e ocasionaram explosões. A gravidade dessa segunda tragédia vai mais longe do que a das mortes provocadas pelo desastre natural, que enlutou milhares de famílias. Os equipamentos coletivos, casas e edifícios que ele destruiu podem ser reconstruídos e as perdas em bens podem ser indenizadas; enquanto a explosão de uma usina nuclear, alem das mortes imediatas que pode provocar, tem efeitos de médio e longo prazo, pela contaminação radioativa da terra, do ar, da água, das plantas e das pessoas, que ameaçará mais de uma geração com doenças como o câncer e provocará malformações nos que vierem a nascer, durante muitos anos . A dispersão de elementos radiativos provocada pela explosão de reatores e pelos vazamentos de água que os refrigera obrigou as autoridades a evacuar 3 mil moradores num raio de 3 km e logo em seguida 45.000 num raio de 10 km, depois aumentado para 20 km.
E até hoje todo o Japão se sente ameaçado pelos efeitos desse chamado “acidente nuclear”. Segundo o governo japonês os problemas hoje estão sendo resolvidos, mas ele é contestado pelos que dizem que “a declaração do governo se baseia em uma suposição. Não existe base científica e factual para comprovar que a situação está sob controle”.
O desastre ocorrido no Japão como que despertou o mundo para a questão nuclear. Foi como se Deus nos tivesse enviado um recado a nós, pobres seres humanos: cuidado com a tentação de se considerarem deuses...
A emoção reavivou a memória de outra tragédia, ocorrida há vinte e cinco anos, em 26 de abril de 1986, em Chernobyl, na então União Soviética. Se no Japão, pais dispondo de alta tecnologia, a natureza se encarregou de fazer surgir um imprevisto de rara magnitude, com o terremoto e o maremoto, na União Soviética o desastre foi devido a erros humanos. Os números são sempre impressionantes. O acidente teve 400 vezes mais radiação que a bomba atômica de Hiroshima, produzindo uma imensa nuvem de radioatividade que contaminou pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta região e atingiu, além da União Soviética, a Europa Oriental, a Escandinávia e a Grã Bretanha. 5 milhões de hectares de terra foram inutilizados. Foram evacuadas e reassentadas 200 mil pessoas . Um relatório da ONU de 2005 falava em somente 56 mortes até aquela data (e por isso mesmo esse relatório é contestado por Greenpeace) mas estimava que cerca de 4.000 pessoas morreriam por doenças provocadas pelo acidente . “E a explosão de hidrogênio e combustão da grafita usada para moderar aquele reator produziram uma nuvem que carregou produtos de fissão altamente ativos como o Césio-137 e o Estrôncio-90, para boa parte da Europa . Alguns desses produtos ainda são encontrados nos solos e contaminam alimentos na Ucrânia e na Bielorússia” .
A usina propriamente dita de Chernobyl foi então coberta por um enorme sarcófago de concreto e aço, que há pouco no entanto começou a vazar radioatividade. O novo sarcófago que se tornou necessário custará 740 milhões de euros (em torno de um bilhão de dólares), dos quais o governo da Ucrânia só conseguiu arrecadar 580 milhões, fazendo com que o tema tenha se tornado objeto da pauta das reuniões do G20, sem que se saiba ainda que solução será dada...
2. Segurança e custos
Escondidos no entanto por esses acidentes mais recentes e mais “tragicamente espetaculares”, por assim dizer, uma longa lista de acidentes vinham ocorrendo ao longo dos últimos 60 anos, desde que usinas nucleares começaram a ser implantadas nos países do mundo que contavam com recursos suficientes para fazê-lo (ver lista de 33 acidentes no anexo III). Nem todos foram noticiados com a mesma intensidade, uma vez que o conhecimento deles tende a apavorar a população. Por isso mesmo tenta-se minimizá-los quando ocorrem , e não se insiste em continuar falando deles ... É bom lembrar que o acidente de Chernobyl só foi anunciado quando foi detectada radioatividade fora da União Soviética... Segundo o professor Joaquim Francisco de Carvalho , a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recebe cerca de 10 a 15 notificações por ano .
O fato portanto é que essas aventuras tecnológicas não se mostram seguras . Causados pela natureza ou por erros humanos, que podem ocorrer até em países que dispõem de alta tecnologia... , esses acidentes vem determinando um aumento dos cuidados que devem ser tomados e da discussão sobre a possibilidade efetiva de evitar acidentes - uma vez que a explosão de um reator pode ter efeitos equivalentes ou muito maiores do que uma bomba atômica, quanto à dispersão de radioatividade. Essa questão da segurança passou assim a ser a grande preocupação – e única de fato, como se todo o problema fosse simplesmente esse.
O aumento dos cuidados automaticamente exigiu um aumento nos gastos para instalar e operar os reatores, o que coloca em questão também sua validade quanto aos custos da energia elétrica produzida por essa forma extremamente perigosa “de esquentar água para produzir o vapor que fará girar as turbinas que irão gerar energia elétrica”, como dizem os cientistas ... O Tribunal de Contas da França, em relatório solicitado pelo governo, concluiu que o investimento para manter ativas as usinas nucleares francesas será duas vezes maior entre 2011 e 2020 , em razão das medidas impostas pela Agência de Segurança Nuclear (ASN) à companhia EDF após o acidente em Fukushima .
Mas se os custos dessa prevenção terão que ser embutidos nos preços que pagaremos pela energia, tendendo a torná-la inviável, onde serão contabilizados os gastos com os desastres que ocorram? Quem os paga são os governos – ou seja, nós mesmos, através de nossos impostos. Serão eles deduzidos dos lucros das empresas que produzem energia e devolvidos aos cidadãos, tornando ainda mais inviável a aventura nuclear?
Quaisquer que sejam no entanto esses cuidados custosos, os cientistas não envolvidos com os interesses da industria nuclear não veem possibilidade efetiva de evitar acidentes e se mostram cada vez mais incisivos em negar a segurança dos reatores. O físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, declarou taxativamente , em entrevista ao jornal Metro Campinas: “Não há reatores totalmente seguros. É ilusão pensar isso”. Para o Professor da Universidade Federal de Pernambuco Heitor Scalambrini Costa, em palestra no Fórum Social Temático realizado em fim de janeiro de 2012 em Porto Alegre, não existe a possibilidade de risco zero na produção da energia nuclear . Para o Professor Joaquim Francisco de Carvalho do Instituto de Eletrotécnica e Eletricidade da USP, “Não existe máquina infalível nem obra de engenharia 100% segura” . Sabemos todos que os seres humanos não são capazes de tudo prever...
3. Repercussões políticas
Face a esses dados, é importante relembrar o que aconteceu depois de um dos acidentes nucleares mais conhecidos, o de Three Miles Island , nos Estados Unidos em março de 1979 – citado com Chernobyl e Fukushima como um dos três maiores conhecidos até agora. Esse acidente levou o governo norte-americano a abandonar seu programa de construção de novas usinas naquele país; a partir de 1979 ele decidiu cuidar somente da operação e segurança das 104 existentes. Mas esse exemplo infelizmente não foi seguido.
Somente agora, com a questão da segurança tornada ainda mais evidente pelo desastre de Fukushima, estão sendo tomadas decisões políticas contrárias a usinas nucleares, em muitos países. Na Alemanha, a pressão social levou o governo a suspender seu programa de construção de usinas nucleares e desativar as usinas existentes, todas devendo estar completamente paradas em 2021. A empresa alemã Siemens decidiu desativar seu setor nuclear. Na França, que é quase inteiramente dependente dessa forma de geração de energia , mergulhou-se numa grande discussão nacional sobre a necessidade e a possibilidade de “sair do nuclear”. Um plebiscito na Itália praticamente proibiu seu governo de pensar em implantar usinas naquele pais. A Bélgica e a Suíça estão fixando prazos para desativar suas usinas nucleares.
Apenas cinco dos 32 países que hoje mantém usinas – China, Índia, Japão, Coréia do Sul e Rússia – têm planos de criar ou aumentar suas instalações nucleares a longo prazo, segundo uma organização internacional ligada à industria nuclear (Nuclear engeneering), sem se referir ao Brasil . E as mesmas fontes informam que a Turquia, que tinha planos de construir sua primeira usina nuclear, abandonou esse projeto “pelos menos para os próximos 10 ou 20 anos”, segundo declarou seu primeiro ministro em 25 de julho de 2011.
Mas infelizmente, no entanto – e essa é a grande questão não discutida - a segurança dessas “bombas atômicas dormentes” que existem em tantos países é apenas parte do problema. E uma parte pequena do problema.
Duas outras ameaças muito mais violentas acompanham necessariamente a instalação e operação de usinas nucleares para produzir eletricidade. De ambas pouco se fala ou se evita falar. A primeira é o fato da construção e operação de usinas constituírem o passo decisivo para que se possa construir bombas atômicas. Tem-se receio de abordar essa ameaça, imersa que ela está na questão da segurança dos países, como se fosse uma temeridade entrar no campo dos segredos militares. A segunda é muito mais grave do que hipóteses de guerra atômica ou de disparo acidental de ogivas nucleares, exatamente porque ela já está se concretizando e se agravando à medida em que o tempo passa: a ameaça do “lixo atômico”, que não somente já está colocando em risco nossas vidas mas também a de muitíssimas gerações que nos sucederão no planeta Terra.
4. O risco da bomba
O risco da bomba é o risco da proliferação de armas atômicas. Todos nos lembramos do horror das bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Elas mataram imediatamente 140.000 pessoas na primeira dessas cidades e 80.000 na segunda, sem contar os que morreram posteriormente, vitimas das radiações. E as duas cidades foram arrasadas. Difícil pensar que hoje em dia algum governante de algum país possa decidir usar novamente essa arma para se impor pela força e pelo terror. Mas dispor de ogivas nucleares é assunto de predileção dos militares que almejam dissuadir outros países a usá-las contra seu país. Hoje há pelo mundo afora um grande número de ogivas nucleares esperando o momento de serem utilizadas, a partir de bases fixas ou moveis, como os submarinos atômicos. Ou de serem disparadas por engano, até com armas como o míssil norte-americano MX, ou Peacekeeper (Mantenedor da paz), desenhado para lançar 21 ogivas de 10 megatons cada uma para alvos separados a mais de 8 mil quilômetros...
Ora, por mais que se negue que os programas de construção de reatores para produção de energia elétrica tenham objetivos militares , o tratamento do urânio que os reatores nucleares exigem e o plutônio que dele resulta está a um passo da tecnologia necessária para a fabricação de bombas atômicas . Por isso, os que lutam contra essa proliferação acompanham unanimemente a denúncia feita pela “Fundação pela Paz na Era Nuclear”, dos Estados Unidos, em documento elaborado em solidariedade às vitimas de Fukushima:
"(...) programas de energia nuclear usam e criam materiais físseis que podem ser usados para fazer armas nucleares e assim, fornecem um caminho comprovado para a proliferação de armas nucleares. Vários países já usaram programas nucleares civis para fornecer materiais físseis para fazer armas nucleares. Outros países, particularmente aqueles que contam com instalações de reprocessamento de plutônio e de enriquecimento de urânio, poderiam facilmente fazê-lo se o decidirem. A propagação das centrais nucleares não só tornará o mundo mais perigoso, mas tornará mais difícil, se não impossível, a meta de um mundo livre de armas nucleares."
É dentro dessa perspectiva que se calcula que hoje em dia já tenham sua bomba ou estejam em condições de produzi-la a curto prazo, alem dos Estados Unidos, França, Rússia, e China, cerca de vinte outros países, entre eles África do Sul, Argentina, Brasil, as duas Coréias, Taiwan, Irã, Iraque, Israel, Líbia e Paquistão.
5. O Lixo atômico
A ameaça do “lixo atômico” é no entanto muito mais concreta e imediata. Ela é extremamente grave porque está incluída na rotina do funcionamento das usinas e por isso tornou-se aceitável como algo “natural”, de que não se pode escapar.
Esse “lixo” compreende tanto os equipamentos e instrumentos de trabalho usados na operação dos reatores como os resíduos do uso do combustível com o qual eles funcionam, as chamadas “cinzas da combustão de urânio” e os produtos de sua fissão . Os raios emitidos por essas substâncias são extremamente nocivos à saúde, porque possuem um grande poder de penetração, invadindo as células do organismo e podendo levá-lo à morte.
O grau de radioatividade pode ser baixo, médio ou alto. Com isso o lixo é classificado em diversas categorias. Os primeiros (LLW, de “low level waste” em inglês), mantém sua radioatividade durante “somente” 300 anos; os últimos (HLW, de “high level waste”) exigem, para perdê-la, milhares e até milhões de anos. Entre estes está por exemplo o plutonio 239, cuja “meia vida”, isto é, o tempo necessário para perder a metade de sua irradiação, é de 24.000 anos, ou o cesio 135, que perderá essa metade em 2,3 milhões de anos, ou ainda o iodo 129, que exigirá 16 milhões de anos para essa sua “meia vida”...
O documentário dinamarquês “rumo à eternidade” (“Into Eternity”), sobre a construção de um depósito de lixo atômico altamente radioativo em Onkalo, na Finlândia, começa dizendo que a humanidade tem 50.000 anos, as pirâmides do Egito 5.000 anos, e o lixo atômico tem que ser guardado 100.000 anos...
O lixo de radioatividade de vida curta, a ser portanto guardado à distância dos seres humanos “somente” durante 300 anos, correspondem a aproximadamente 90% de todo o lixo que se acumula. Podem ser compactados e acondicionados em tambores lacrados, como os que vemos nas fotos de Angra dos Reis, aqui no Brasil . O de vida radioativa média (ILW, de “intermediate” em inglês), que corresponde a aproximadamente 9% do lixo, já exige tratamentos para resfriamento, filtragens, diminuição de seu volume, etc, operações de alto custo e igualmente perigosas, antes de ser enterrado em poços profundos especialmente construídos. Já o de longa vida radioativa, em torno de 0,5%, como o conteúdo das famosas varetas de urânio que são colocadas no coração dos reatores, tem que ser, depois de vários tratamentos, envolvidos por vidro derretido, a ser enterrado em poços ainda mais profundos, debaixo de granito ou de pedras de sal .
Pode-se imaginar quantas vezes o território francês é cruzado, sem que a população saiba dos perigos que estão se movendo ali ao seu lado, com comboios de trens e caminhões levando de um lado para outro as 1200 toneladas de lixo que seus 58 reatores produzem a cada ano; chegando hoje já a mais de 50.000 toneladas, que tem que ser tratadas e estocadas de diferentes maneiras, segundo sua periculosidade, ao abrigo de terremotos e quedas de avião...
O grande escândalo é que as usinas existentes continuam ininterruptamente a produzir o lixo, que se acumula, enquanto os tecnocratas de plantão dele pouco falam e continuam a discutir o preço da energia produzida nessas usinas, sua posição na matriz energética, suas vantagens e desvantagens, suas condições de segurança. E os governos dele falam menos ainda, reagindo somente quando ocorre algum desastre nas usinas. Radioatividade não é problema deles, como pode atestar a Associação das Vitimas do Cesio de Goiânia, o mais grave episódio de contaminação por radioatividade ocorrido no Brasil, em 1986.
6. E os reatores para usos científicos e medicinais?
O dramático para todos nós é que o desafio colocado pelo lixo atômico leva de roldão toda a defesa que possa ser feita do chamado uso pacifico da energia atômica: construção e operação de reatores para a pesquisa científica e para a produção de substâncias radioativas uteis na medicina. Todos eles carregam consigo, pela produção automática de lixo atômico, a maldição da herança que os reatores deixam para as futuras gerações, qualquer seja o seu tipo e a sua finalidade – até mesmo aqueles que se destinariam “simplesmente” à propulsão de submarinos durante um longo período de tempo. Assim também as substâncias radioativas de uso medicinal criam de imediato enormes riscos ali mesmo onde são utilizados.
Um exemplo desse risco imediato foi o do já citado acidente com o césio 137 em Goiânia, no Brasil . Pouco mais de um ano depois do acidente ocorrido em Chernobyl, em 13 de setembro 1987, a irresponsabilidade dos proprietários de uma clinica de radioterapia em Goiânia os fez abandonar, no edifício do qual saíram, um aparelho contendo uma cápsula de menos de 100 gramas que continha 19 gramas de cesio 137, altamente radioativo . Pouco menos de um mês depois do alerta que foi dado 16 dias depois da capsula ter sido desmontada, faleceram suas primeiras quatro vitimas . A essas mortes se seguiram 60 outras, entre as quais a de funcionarios que realizaram a limpeza dos locais. O Ministério Público reconheceu 628 vitimas contaminadas diretamente, e a Associação de Vitimas do Césio 137 estima que mais de 6 mil pessoas foram atingidas pela radiação.
O lixo atômico nesse acidente, produzido por apenas 19 gramas de césio 137, foi de 13.500 toneladas, colocado em 14 containers lacrados contendo 1.200 caixas e 2.900 tambores, que deverão permanecer por pelo menos 180 anos debaixo de uma montanha artificial no município de Abadia de Goiás, ao lado de Goiânia, dentro de um receptáculo com paredes de um metro de espessura de concreto e chumbo.
Haverá pesquisa em andamento para não precisarmos de reatores para produzir materiais de uso medicinal, já que todo reator carrega consigo essa ameaça do lixo? O que fazer, até lá, com o lixo atômico proveniente de hospitais e clínicas, se é que estamos a salvo de outros acidentes como o de Goiânia, em que a irresponsabilidade se juntou ao desconhecimento do perigo que se esconde em aparelhos que manipulamos com a melhor das intenções?
7. O problema da mineração do urânio
Para complicar anda mais todo esse quadro, temos que considerar que os riscos começam antes: com a mineração do urânio. O urânio encontrado na natureza é o U238. Com o processo de seu enriquecimento, dele se extrai o U235 que, depois de sintetizado com oxigênio, é encapsulado para ser comercializado e usado sob a forma de pastilhas. Esse urânio enriquecido e encapsulado é o combustível usado dentro dos reatores.
No Brasil há uma mina de exploração do urânio, em Caitité, onde os problemas gerados na população alertaram algumas organizações da sociedade civil . A mina começou a funcionar em 2000. Desde então não para de crescer a incidência de câncer na população.
Segundo relatou Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA), no Fórum Social Temático de Janeiro de 2012 em Porto Alegre, “tudo começa com a explosão de dinamite na rocha, que gera o gás radônio , que não tem cheiro nem cor e vai ser inalado pelas pessoas, que nem sabem que isso está acontecendo. Este gás contamina a água, o solo, os produtos agrícolas, os animais, as pessoas. Ninguém sabe a extensão das contaminações na bacia hidrográfica abaixo. Até a água que a população bebia foi considerada contaminada”. E completa: “Desde sempre soubemos que é melhor deixar o urânio embaixo da terra”. A proposta dessa organização não podia ser outra senão a de que essa mina seja desativada, assim como todo o programa nuclear brasileiro. E que o governo implante um programa de atendimento da população atingida pelos vários efeitos da radioatividade .
Mas minério é fonte de divisas... Seu comércio pode ser extremamente rentável, especialmente se as usinas nucleares se multiplicarem pelo mundo... Estima-se que o Brasil tem a fortuna de 309.000 toneladas de minério de urânio ainda escondidas debaixo da terra. Há uma grande questão ética na busca de resultados econômicos e financeiros através de atividades que são prejudiciais aos seres humanos... Mas em que sistema vivemos, e em que lógica estão imersos nosso comercio internacional e nossa política de governo?
8. Conclusões preliminares
Talvez seja a junção de todas essas perspectivas – dos acidentes, da proliferação das armas atômicas, da mineração, do lixo atômico - que levou um monge budista de Hokkaido, no Japão, a afirmar, em entrevista dada em janeiro de 2012 em Porto Alegre, durante o Fórum Social Temático em preparação da Rio+20 (ver anexo I) que “existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”.
Sem nenhuma dúvida, estamos diante de um espantoso e terrível brinquedo de aprendiz de feiticeiro que é a manipulação do átomo, pretendendo domesticá-lo para dele retirar a energia que Deus inventou. Há muitos cientistas, tecnocratas, funcionarios de governo, militares e empresários que, pelo mundo afora, com diferentes objetivos, minimizam levianamente os reais riscos do uso da energia nuclear e sobre-estimam sua capacidade técnica, organizativa e financeira de os evitar. Com isso eles estão abrindo um enorme flanco de fragilidade para a continuidade da espécie humana, mais alem de todas as ameaças que hoje são denunciadas pelos que se preocupam com o meio ambiente. Desastres naturais, falhas de projeto, erros humanos, megalo-ambições e até ações enlouquecidas de terrorismo atingindo centrais nucleares, estações de tratamento de resíduos, minas de urânio, depósitos de resíduos e veículos de transporte de lixo atômico podem causar, a qualquer momento em nossos mais próximos entornos, catástrofes com trágicas repercussões.
Além disso, como já vimos, a própria atividade nuclear “normal” gera consequências de longuíssimo prazo. O mínimo que se pode dizer é que estamos diante de um autêntico filme de horrores. E o mínimo que uma sociedade consciente teria que fazer seria exigir que todos os reatores parassem até que se resolva o problema do lixo nuclear.
Mas onde se esconde a ética em nossos países, ditos desenvolvidos, em desenvolvimento ou “emergentes”?
II – O quadro no Brasil
1. “Nossa bomba” e nossos submarinos atômicos
A opção nuclear começou mal no Brasil. A decisão foi tomada durante o regime militar imposto ao país em 1964, com o general Costa e Silva criando, em 1967, o Programa Nuclear Brasileiro. A construção de Angra I começou em 1971, durante o governo do general Garrastazu Medici. Numerosas fontes afirmam que a decisão tinha por objetivo chegar à “bomba atômica brasileira”. Era o projeto do Brasil Grande.
É evidente que em nenhum momento o governo brasileiro assumiu publicamente que estivesse interessado em qualquer tecnologia bélica como a da bomba atômica . Mas vários detalhes vieram à tona, revelando a existência de um Programa Paralelo, com um objetivo bem claro: a bomba. Segundo o Acordo do Brasil com a Alemanha para a construção de Angra II e Angra III, a Alemanha cederia ao Brasil a tecnologia da construção da central nuclear, bem como o método de enriquecimento do urânio, um processo de altíssimo nível tecnológico, e ponto chave do ciclo nuclear que chega até a bomba .
Muitos laboratórios foram montados, equipamentos comprados, milhares de pessoas treinadas. Mas o processo de enriquecimento dos alemães era muito complexo e inviável para os fins que o Brasil desejava. O Acordo perdeu com isso quase que a metade de suas vantagens. Foi quando entrou o Programa Paralelo: criou-se o Centro Experimental Aramar, em Iperó, no interior do Estado de São Paulo, um complexo de pesquisa para desenvolver e controlar o processo de enriquecimento do urânio por ultracentrifugação, absolutamente clandestino e sem fiscalização internacional, mas com os três ramos das Forças Armadas brasileiras bem articulados .
Aramar continua a existir com limitados recursos financeiros encaminhados pela Marinha. Aparentemente, toda a busca por poderio bélico foi cessada, com o fim do governo militar. Ainda assim, aparentemente... E recentemente o vice-presidente da Republica, Michel Temer, fez uma visita a esse Centro de Pesquisa da Marinha, acompanhado de alguns deputados, da qual saiu bastante impressionado com o alto nível tecnológico encontrado, segundo os jornais...
Mas o interesse nuclear dos militares não se restringe a essa eventual busca da “bomba atômica” brasileira. Eles declaram outro objetivo dito de defesa nacional: construir um submarino impulsionado por um reator nuclear, que lhe dará mais tempo de imersão. Tal arma não serviria para carregar ogivas mas para proteger nossa reservas de petróleo no pré-sal, comandando o conjunto de seis submarinos normais já comprados da França... Na defesa desse programa juntam-se todos os argumentos possíveis . E quando o governo lança um programa de construção não de somente um mas de quatro submarinos, “fazendo o Brasil ingressar no seleto grupo de nações detentoras de uma das mais avançadas tecnologias militares”, não estão faltando os alertas quanto ao desequilíbrio das relações de poder dentro da América Latina .
2. Os reatores para produção de energia elétrica
A entrada do Brasil na construção de reatores destinados à produção de energia elétrica, escondida atrás da porta constrangedora da Bomba, é pelo menos vergonhosa para nós brasileiros.
Segundo o relato feito pelo Museu da Corrupção, mantido na Internet pelo Diário do Comércio, Angra I “foi resultado de um ambicioso programa nuclear durante a ditadura militar com a compra de equipamento duvidoso da americana Westinghouse, acusada de subornar o ditador Ferdinand Marcos das Filipinas” . Para lhe vender usinas...
A má qualidade do equipamento levou a que quebrasse 22 vezes provocando alguns acidentes, e Angra I entrou em operação somente em 1983. Ele jaz hoje na praia de Itaorna, ao lado de Angra 2, quase sempre desligado. Os físicos José Goldemberg e Luiz Pinguelli Rosa não poupam criticas, até com uma dose de humor: “É um PWR-Westinghouse, uma espécie de Fusca 1967, comprado nos Estados Unidos naquele ano. Seu apelido é vaga-lume. Quando está ligado, gera 650 megawatts. Mas como o nome indica, vive piscando. Mais apagado que aceso. Tem um dos mais baixos índices de eficiência do mundo”.
Já Angra II, que entrou em operação em 2.000, resultou do Acordo de Cooperação Nuclear firmado com a Alemanha em 1974 (que incluía a experimentação com o enriquecimento de urânio), em que se abandonou a tecnologia da Westinghouse e se previu o uso de tecnologia da Siemens. Esta hoje se retirou do mercado do nuclear mas já vendeu ao Brasil todo o equipamento de Angra III, que se encontra estocado à espera da conclusão das obras civis. A Siemens foi substituída em Angra III pela sua sócia, a empresa francesa AREVA, que se encarregará de completar a construção dessa usina.
Mas no programa nuclear de Angra o que se vê são atrasos, multas, juros e erros, desde as fundações mal calculadas de Itaorna (que se sabe que quer dizer, na língua indígena, terra podre). Segundo Goldemberg e Pinguelli Rosa, quando se discutia sobre a necessidade de concluir Angra 2, essa usina é um desses casos além do ponto de não-retorno. Desistir significa assumir um prejuízo maior do que o necessário para concluir. Para eles, era um desperdício monstruoso de dinheiro, mas concluir Angra 2 teria alguma racionalidade (desde que se quisesse manter o programa nuclear brasileiro...). Já para Angra 3, o raciocino não serviria. A Eletrobrás pretende construí-la no mesmo solo, sob o argumento de que 40% dos equipamentos já foram comprados. Mas, segundo esses mesmos físicos, ela não tem justificativa energética.
Ora, com todos os riscos criados pelas usinas nucleares, alem de seu alto custo (10 bilhões de dólares só em Angra III, sem contar os acréscimos que serão exigidos por força de novas medidas de segurança que passaram a ser exigidas depois do desastre de Fukushima) essas três usinas deverão responder por pouco mais do que 1% da energia elétrica disponível no Brasil. Porque então insistir na geração de energia elétrica através de reatores nucleares, se é que não se tem, como se afirma, o propósito de pretender “dominar o ciclo do combustível nuclear” para fins militares? E quando questões tecnológicas importantes, como a do lixo radioativo, permanecem abertas, sem solução, tanto no Brasil como no mundo? Porque continuar a discutir “perfumarias” técnicas, diante dos problemas criados pelo nuclear, que exigem muito mais seriedade política?
3. A necessidade de energia vinda de reatores nucleares
O argumento fundamental para construir muitas novas usinas nucleares no Brasil é o da necessidade absoluta de se dispor de uma quantidade crescente de energia elétrica para assegurar a continuidade do crescimento econômico do Brasil, lançando mão de todas as possibilidades existentes, para não ser surpreendido pela insuficiência na oferta ou por apagões desastrosos e os prejuízos que os acompanham. E dentro da tradicional prepotência tecnocrática, o governo agregaria, aos 86,4% da energia elétrica gerada no país pelas usinas hidráulicas e aos 12,4% gerados pelas usinas térmicas, a que fosse gerada por reatores nucleares, considerada a mais limpa (não emite gás carbônico) e a mais barata (será mesmo?) que as demais formas de obter energia elétrica, o que compensaria suas desvantagens. Feitos os cálculos e dispondo-se dos bilhões necessários para isso, poderia ser alcançada uma porcentagem de energia produzida por reatores atômicos muito maior do que o 1,2% atual, seguindo o (mau) exemplo da França que hoje atende a 77% de suas necessidades em energia elétrica com reatores nucleares. Nada portanto de novo.
A raiz da necessidade de cada vez mais energia elétrica é portanto o modelo de desenvolvimento que o Brasil adotou, reduzido a crescimento econômico ou, na melhor das hipóteses, crescimento com distribuição de (não da) renda, para que os shopping centers ganhem cada vez mais fregueses. Modelo esse que provoca hoje em dia em nosso país uma onda de ufanismo, no orgulho de ter conseguido passar ao largo da crise mundial (até agora) e ter se tornado a 6ª economia mundial, ultrapassando a Inglaterra.
Nesse quadro se sente livre a cada vez mais febril atividade das empresas brasileiras que terão lucros fabulosos com esse crescimento, o suficiente para financiar campanhas eleitorais com largueza. E que por isso estão há tempos pressionando cada vez mais o governo para que este contrate grandes obras de todos os tipos, como as grandes barragens – veja-se Belo Monte -, atividades de mineração (incluindo a de urânio), extensíssimas linhas de transmissão de energia elétrica, grandes e modernos portos para a exportação, novas ferrovias e estradas que nos liguem também ao Oceano Pacifico ainda que suas enormes máquinas tenham que invadir terras estrangeiras.
Dentro dessa onda que esmaga tudo à sua frente, por mais que setores sociais assustados com a grandeza de nosso futuro queiram reclamar, as atividades ligadas ao nuclear encontram também a euforia, para satisfação igualmente dos militares, para a construção de Angra III e novas usinas, submarinos atômicos e portos mais do que vigiados em que eles possam se reabastecer de combustível nuclear.
Centenas ou mesmo milhares de pessoas se somarão as que já são empregadas pela indústria nuclear, para produzir e vender equipamentos e matérias primas dentro e fora do Brasil. O poderio financeiro dessa indústria será capaz de construir em torno de si, pelos grandes meios de comunicação de massa, uma aura de progresso e modernidade da qual todos desejarão participar, exacerbando as necessidades insaciáveis de consumo criadas pelo sistema. A ganância abrirá ainda mais caminhos para a corrupção: grandes somas significam também grandes lucros e grandes “comissões”. Tudo isso ainda que em detrimento da segurança dos reatores que aqui sejam construídos, como vem se constatando que aconteceu no Japão vitimado pelo desastre de Fukushima. E o ambiente de negócios do Brasil se tornará entusiasmante – “agora sim, vamos “- empurrado pela sofreguidão de cada vez mais brasileiros que buscam entrar no ranking dos homens mais ricos do mundo, ainda que a custo de uma escandalosa concentração da renda e da manutenção de uma grande parte de nossos concidadãos em níveis de miséria, até que as migalhas caídas das mesas dos ricos cheguem a eles...
4. A desconcertante atitude do governo depois de Fukushima
Na verdade, só a pressão de um ambiente deste tipo explicaria a quase insensibilidade de nosso governo diante da tragédia do Japão e de todos os alertas que ela levantou. Estaria ressurgindo nas cabeças de nossos dirigentes políticos o sonho da Pátria Grande, do tempo dos militares, que ousavam inclusive pretender participar da corrida armamentista mundial que poderá, pelo uso de bombas atômicas, fazer o planeta Terra desaparecer?
Pesquisa feita pela BBC em todo o mundo depois de Fukushima revelou que 79% dos brasileiros eram contra a construção de novas usinas nucleares em nosso país. Mas nosso governo não se comoveu como nossos cidadãos. Ao contrário, segue alegremente dando continuidade a planos mirabolantes de energia nuclear, e não será este ou aquele funcionário mais consciente que irá parar essa máquina. “Nossos políticos não têm mostrado sensibilidade para rever posições equivocadas em relação ao nuclear”, afirmam os professores Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho, do Instituto de Eletrotecnica e Eletricidade da USP . “No dia seguinte ao acidente de Fukushima, o Ministro de Minas e Energia declarou que “as usinas de Angra são 100% seguras e o plano de construir outras não será revisto””. Segundo um assessor da presidência da Eletronuclear, responsável pela operação das centrais nucleares brasileiras, Angra III já tinha em seu projeto, mesmo antes do acidente no Japão, um sistema de segurança mais avançado do que o das usinas Angra 1 e 2 .
O governo, entretanto foi ainda mais longe apresentando o plano de construção de novas usinas à beira do Rio S. Francisco como de “salvação do Nordeste”... E na mesma linha de orientação o BNDES liberou, no fim de outubro de 2011, 308 milhões de reais para dar continuidade à construção de uma terceira usina em Angra dos Reis, enquanto a Eletronuclear anunciava que pretende investir 1,4 bilhão de reais nessa usina até o fim de 2012... Tudo isso sabendo-se que, como escreveram os Professores Joaquim Francisco de Carvalho e Ildo Sauer no jornal Valor de 13 de maio de 2011: Angra está perto dos centros mais densamente povoados e industrializados do Brasil. Um acidente nuclear ali provocaria perdas humanas e paralisaria grande parte da economia, como está acontecendo no Japão pós-Fukushima. Não precisamos correr esse risco.
Se essa é a orientação do governo quanto à construção de novas usinas, o que se pode esperar dele quanto ao terrível problema do lixo atômico? Os tecnocratas de plantão já estão ostentando sua total inconsciência desse desafio que está colocado para toda a humanidade. Com toda a candura um deles explica que uma das alternativas para resolver o impasse sobre o local onde depósitos de lixo devem ser construídos é a criação de uma espécie de “royalty inverso”, sistema em que os municípios receberiam dinheiro não pela extração de um recurso mineral mas para guardar o lixo radioativo. E completa: Não é um problema técnico, mas sim político. Na Coréia, por exemplo, o governo abre uma concorrência invertida. As cidades disputam para receber o depósito por conta das compensações financeiras. É, aliás, o que já começou a acontecer aqui no Brasil depois que o governo abriu uma primeira licitação para a escolha do lugar onde depositar o lixo atômico...
É triste, assim, ter de cogitar algo ainda pior: que a Presidente do Brasil, fiel a essa orientação, escandalize alemães, brasileiros e organizações mundiais durante sua visita à Alemanha programada para o fim do mês de fevereiro, levando aos parlamentares daquele país, que nesse mesmo fim de mês decidirão sobre a continuidade da Garantia Hermes à construção de Angra III, a mensagem de que ela é favorável a essa continuidade, porque quer terminar a construção de mais essa usina nuclear no Brasil. E porque não prosseguir, em seguida, inteiramente na contra-mão das tendências de hoje no mundo, o programa das demais usinas programadas no Brasil, com mais Garantias Hermes para a alegria do consorcio Areva-Siemens?
Antigas organizações ambientalistas da sociedade civil alemã, como Urgewald - que assume por solidariedade conosco uma luta que deveria ser nossa - assim como parlamentares alemães de diferentes partidos, estão empenhados numa intensa ação contra essa continuidade, inclusive com manifestações públicas em Berlim, porque ela será um flagrante exercício de uma moral dupla pelo governo de seu próprio pais: fechar as usinas nucleares da Alemanha, por serem prejudiciais aos seus cidadãos, mas ajudar a que se construam usinas nucleares em outros países.
Nesse mesmo sentido, denunciando o escândalo dessa moral dupla, cinquenta personalidades de muitos países, entre os quais muitos detentores do Premio Nobel Alternativo, acabam de entregar ao governo e ao parlamento alemão um apelo instando-os a não aprovar a continuidade da Garantia .
Mas qual é a lógica de nossas decisões políticas? Se eventualmente um dia decidirmos parar com a energia nuclear, continuaremos a exportar minério de urânio para os demais países que queiram comprá-lo?
5. Alternativas às centrais nucleares para aumentar a produção de energia eletrica no Brasil
Nessa altura de nosso raciocínio entram naturalmente as ponderações de cientistas não envolvidos nos interesses da usina nuclear, como os já citados Professores da USP Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho. Este último afirmou categoricamente, na primeira linha de um artigo no “O Estado de São Paulo” em 6 de abril de 2011: “O Brasil pode cobrir seu consumo de energia elétrica apenas com fontes renováveis de energia primária, sem apelar para usinas nucleares”. A mesma linha de raciocínio é desenvolvida pelo físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, que discorda da opção nuclear por países que ainda tem ouras fontes de energia que podem ser exploradas, como é o caso do Brasil .
No O Globo de 4 de abril o Professor Joaquim Francisco de Carvalho já dissera: “o Brasil não precisa correr o risco de acidentes em usinas nucleares, pois aqui a energia pode vir praticamente toda de um sistema hidro-eólico, com mínima complementação térmica a gás natural. E complementara: dessa forma será possível “armazenar” parte do imenso potencial eólico brasileiro em: reservatórios hidrelétricos, aumentando significativamente o fator de capacidade do sistema elétrico interligado”. E terminou lamentando: “É pena que as autoridades do setor não percebam isso”.
Ambos os Professores escreveram, em artigo conjunto publicado no O Globo de 23 de novembro de 2011: um sistema interligado hidro-eólico teria capacidade suficiente para oferecer eletricidade à população brasileira em escala comparável à de países de alto nível de qualidade de vida, como a França, a Alemanha e a Grã Bretanha. A reserva de segurança do sistema hidro-eólico seria constituída pelas termelétricas a gás já existentes nas diversas regiões do país, que seriam acionadas apenas nos raros períodos hidro-eólicos críticos, com mínimo impacto sobre o custo da energia produzida pelo sistema interligado.
Antecipando-se à provocação do lobby nuclear, perguntando-lhes se sua oposição a usinas nucleares os levaria a optar por construir mais Belos Montes, eles esclareceram, em artigo publicado em 13 de maio no O Globo: “um aproveitamento como o de Belo Monte” poderia ter dado lugar “a hidrelétricas com reservatórios pequenos, escalonados ao longo dos rios, com melhores atributos socioambientais. Para suprir pequenas cargas isoladas, seriam instalados mini-aproveitamentos motorizados com turbinas hidro-cinéticas, evitando a construção de malhas de transmissão pela floresta. E completaram: é indispensável que se faça um inventário dos aproveitamentos hidráulicos e eólicos, ordenando-os por mérito econômico e socioambiental; e que se institucionalize um processo decisório submetido a controle público, para organizar a seqüência das usinas a serem construídas e descartar as que apresentarem problemas insuperáveis” .
Indo mais longe, eles afirmaram no artigo publicado em O Globo de 23 de novembro de 2011, supracitado: “O Brasil dispõe de fontes energéticas muito mais econômicas do que o urânio, que, ademais, são renováveis e não oferecem riscos de acidentes catastróficos como os de Chernobyl e Fukushima. Entretanto, alguns funcionários de estatais argumentam que as usinas nucleares são indispensáveis “para aproveitar as 309.000 toneladas de minério de urânio existentes no Brasil” . A nosso ver, usar esse urânio para gerar eletricidade, seria o mesmo que começar a fumar (mesmo sabendo que esse vício é letal) só porque um comerciante oferece cigarros de graça”...
E não puderam deixar de sonhar, como deveriam fazer nossos responsáveis políticos:
“Mediante o aproveitamento de seu inigualável potencial energético renovável (energias hidrelétrica, eólica, fotovoltaica, etc.), o Brasil poderia se transformar no primeiro grande país do mundo a ter um sistema elétrico inteiramente sustentável, vantagem que colocaria a indústria brasileira entre as mais competitivas do mundo”.
Na perspectiva do sonho, pode-se também falar, para criar um quadro mais otimista, de outras experiências em curso na Europa, como a de hélices movidas pelas correntes marítimas no fundo dos mares, ou a geração descentralizada de energia, de fonte eólica e solar, capaz de suprir necessidades menores como as domesticas ou de pequenas empresas e mesmo de alimentar, com remuneração, as redes principais com sua produção excedente. Como poderíamos pensar, absolutamente dentro do objetivo do crescimento econômico, na potencialmente alta possibilidade de desenvolvimento da indústria dedicada à produção de equipamentos eólicos e solares em vez de reatores atômicos. Inclusive baseando-nos, por incrível que pareça, em programas já em curso no Ministério das Minas e Energia visando objetivos desse tipo.
Na perspectiva da ação podemos considerar tudo que poderia ser feito, pelos nossos governos, em programas reeducativos de toda a população para o consumo consciente de energia. E, em nosso clima tropical, revendo os currículos das escolas de engenharia e arquitetura, para que nossas construções não nos obriguem a trabalhar fechados em salas com luz artificial e ar condicionado ,.
Uma ultima observação me parece importante: tanto o professor Joaquim Carvalho como o Professor Ildo Sauer, acima citados, se dispõem a esclarecer os senhores Bispos, em reunião do Conselho Permanente ou na Assembleia Geral, sobre as dúvidas que tenham sobre a questão nuclear no Brasil.
III – O que fazer?
Terremotos e maremotos, que parecem não ameaçar nosso país, estão fora do controle dos seres humanos. Mas a longa lista de acidentes já ocorridos no mundo, por falhas humanas, de máquinas e de projeto, tem que nos alertar. Poderemos ficar observando tranquilamente o que venha a ser decidido e feito em nosso país, como um assunto secreto, até que o pânico nos domine? O mínimo a exigir na questão nuclear é a transparência máxima.
Temos a obrigação de evitar as tragédias evitáveis, mais ainda quando atingem um numero incontável de nossos irmãos e irmãs em várias gerações, como ocorre com os acidentes nucleares. Temos que interromper a produção atualmente ininterrupta de lixo atômico que se deixará como herança às futuras gerações. Temos o dever de evitar que a tentação de tornar nosso país uma potência atômica tome conta de nossos governantes.
Se forem verdadeiras as afirmações do monge de Hokaido, já citadas (“existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”), estamos diante de um problema ético especialmente grave. Por isso mesmo já há muita gente no Brasil que está se mobilizando com esses objetivos. Cabe a cada um de nós dar a sua contribuição.
1. Plebiscito e outras iniciativas parlamentares
Muitos de nós já cogitaram propor um plebiscito no Brasil sobre a opção nuclear, nos moldes daquele que foi realizado na Itália quando o desastre de Fukushima estava ainda quente na memória coletiva. E nesse sentido já rapidamente agiram o deputado Ricardo Izar (ex-PV de São Paulo) e o senador Eduardo Suplicy (PT de São Paulo), apresentando projetos de lei com esse objetivo na Câmara e no Senado.
Apesar desse tipo de consulta ser de fato a forma mais democrática de tomar grandes decisões políticas, seria temerário realizá-la. Não podemos ser ingênuos. Menos ainda diante de uma decisão de consequências quase eternas. Sabemos que o poderio do lobby nuclear no Brasil, frente a um plebiscito, mobilizaria muitos de seus imensos recursos para enfeitar com agradáveis cores a opção nuclear e consolidaria suas alianças com tecnocratas, políticos corruptos e empresários gananciosos. Nossa vitória num tal plebiscito não obstaculizaria a continuidade de pequenos negócios mas de enormes interesses comerciais, de países como por exemplo a França, cuja empresa gigante AREVA exporta equipamentos nucleares para todo o mundo, e em seguida arranca suculentos contratos de assistência técnica, reposição de peças, etc. Grandes lobbies internacionais se juntariam aos interesses dos brasileiros mais ávidos de dinheiro e poder. Eles procurariam por todos os meios desqualificar os que se opõem à energia nuclear (como o faz o Presidente Sarkozi, na França, perguntando aos seus concidadãos se preferem voltar à luz das velas...), ou embaralhar a compreensão da questão, à qual não faltam aspectos técnicos extremamente difíceis.
Por outro lado, como seres humanos temos uma enorme capacidade de nos esquecer de tragédias, o que é psicologicamente explicável, para conseguirmos sobreviver à dor. Ou seja, até as emoções mais fortes passam, como já passou todo o medo que tomou conta dos europeus quando a nuvem radioativa produzida pelo acidente de Chernobyl se espalhou pelos céus da Europa. Se a BBC fizesse nova pesquisa entre nós nos dias de hoje, será que o resultado seria tão contundentemente contrário a novas usinas nucleares, já que uma boa parte dos 79% que era contra aceitava que Angra I e II continuassem a funcionar e até que se construísse Angra III?
A desinformação é generalizada. Sabemos muito pouco dos diversos aspectos envolvidos na questão nuclear e sobre todos efeitos da opção nuclear. O resultado de um plebiscito que autorizasse a construção de usinas seria mais desastroso que um acidente que ocorra em uma de nossas usinas – que Deus nos guarde desse pesadelo. Porque a industria nuclear se sentiria legitimada pela vontade popular para implantar usinas nucleares pelo Brasil afora, aumentar a mineração de urânio ao máximo, criar depósitos de lixo atômico, descarregando nos ombros de todos nós a responsabilidade de deixar essa terrível herança aos nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos, e seus descendentes por muito tempo...
Deixando de lado o plebiscito, outros parlamentares (Deputado Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, e Senador Cristovão Buarque, do PDT do Distrito Federal) apresentaram projetos de emenda constitucional (PECs), para os quais já têm o numero regimental de assinaturas em cada uma das Casas, vedando a construção de novas usinas nucleares no Brasil. Há também outras iniciativas parlamentares de cujos detalhes não disponho.
2. A resistência da sociedade
Mas a sociedade civil também vem se movimentando. Ainda no mês de março de 2011, em que ocorreu o desastre do Japão, muitos brasileiros e brasileiras, depois de participarem de iniciativas a nível internacional , começaram a discutir como agir em nosso pais contra a loucura nuclear. Realizaram-se então no dia 15 de abril, concomitantemente no Rio de Janeiro e em São Paulo (por pura coincidência na mesma data), duas reuniões com o objetivo de organizar os interessados em lançar algum tipo de ação.
A reunião de São Paulo, realizada na USP por iniciativa de professores dessa Universidade , resultou na criação de uma “Coalizão contra Usinas Nucleares no Brasil”, voltada especificamente para a luta contra a construção de novas usinas, pelo desmantelamento de Angra I e II e pela interrupção da construção de Angra III. Reunindo pessoas e organizações já engajadas nessa luta, como, entre outras, Greenpeace, a “Coalizão” logo redigiu um Manifesto, apresentado no anexo VI deste texto, que pouco a pouco recebeu mais de 800 assinaturas de adesão.
A reunião no Rio, realizada por iniciativa, entre outras pessoas, de integrantes da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil, resultou na criação de uma “Articulação Antinuclear Brasileira”, que abrangia participantes de todo o Brasil e incluía em seus propósitos, alem da luta contra novas usinas e pelo desmantelamento de Angra I, II e III, a luta contra a mineração de urânio, contra o lixo atômico e contra o transporte de materiais radioativos, e pelo apoio às vitimas do acidente com o césio 137 em Goiânia. A “Articulação” também redigiu seu Manifesto, apresentado no anexo V deste texto, imediatamente assinado pelas 21 pessoas que a criaram, representando suas organizações, e divulgado em maio de 2011 no 1º Festival Internacional de Filmes sobre Energia Nuclear “Urânio em Movi(e)mento”, no Rio de Janeiro; na Semana de Meio Ambiente da UFBA (Salvador-Ba) em 1º de junho, e, em 2 de junho, na Semana de Meio Ambiente de Caetité (Ba).
A “Coalizão” e a “Articulação” logo se entrosaram, realizando reuniões conjuntas mas mantendo sua autonomia, criaram listas de discussão na Internet, dotaram-se de blogs para se comunicar com a sociedade (brasilcontrausinanuclear.com.br e antinuclearbr.blogspot.com).
3. Ações em curso
As ações que estão resultando dessa mobilização e organização são de vários tipos.
3.1. O trabalho de esclarecimento da população.
Dada a absoluta e urgente necessidade de acordar muito mais gente para nos defendermos do que já está caindo sobre nossas cabeças, estão pouco a pouco se multiplicando os instrumentos (textos, folhetos, dossiês, cartazes) sobre os riscos nucleares, a serem difundidos em escolas, sindicatos, igrejas, associações de moradores, rádios comunitárias. Este trabalho, ainda vagoroso, está começando a ganhar ritmo, para o que se espera contar com os efeitos das diversas outras iniciativas. Mas teríamos que chegar rapidamente ao ponto em que se chegou, por exemplo, na cidade de Mielno, na Polônia onde o Governo pretendeu implantar uma usina nuclear: um plebiscito lá realizado no dia 12 de Fevereiro de 2012 contou com a participação de 57% de sua população e 94% desses participantes disseram Não à usina .
Cabe fazer neste aspecto menções especiais à potencialidade de três iniciativas já tomadas no trabalho de esclarecimento e mobilização:
- Caravana organizada entre os dias 28 e 31 de outubro de 2011pelo Movimento Ecosocialista de Pernambuco (que participa da Articulação e da Coalizão) às quatro cidades da beira do São Francisco onde o governo anunciou que construiria centrais nucleares: Belém do São Francisco, Floresta, Itacuruba e Jatobá. No final da caravana, que levou a discussão da questão das usinas a toda a população dessas cidades (ver convite para participar no anexo VII), foi redigida uma “Carta de Itacuruba” (ver no mesmo anexo VII). Um cordel, forma poética tradicional no Nordeste do Brasil, foi composto por um dos participantes. (ver anexo VIII) ;
- disponibilização, para difusão geral, pela ONG Uranium Film Festival (www.uraniumfilmfestival.org), dos 70 filmes que ela já reuniu denunciando o nuclear e que compõem o seu “Arquivo amarelo”; os membros dessa ONG estudam a proposta de equipar uma (ou se possível mais de uma...) kombi, com projetores para circular pelo Brasil afora com filmes sobre o nuclear. Só podemos esperar que surjam muitas pessoas dispostas a apoiar esta iniciativa, que poderia ter uma repercussão decisiva no trabalho de esclarecimento e mobilização;
- oficina realizada em conjunto pela “Articulação” e pela “Coalizão” no Fórum Social Temático Rumo à Rio+20, no dia 26 de janeiro de 2011, que atraiu 50 pessoas que puderam ouvir testemunhos e ter informações sobre o propósito de construir usinas no Brasil, sobre a mineração e sobre o acidente do cesio 137 em Goiânia, alem de poderem assinar a Iniciativa Popular com sugestão de Emenda Constitucional (PEC) vedando a construção de usinas.
3.2. A pressão contra a Garantia Hermes na Alemanha
A já citada pressão para que o parlamento alemão suspenda a Garantia Hermes para a construção de Angra III parece ser a ação mais urgente e mais estratégica a desenvolver. Sem essa Garantia, o negócio deve se tornar menos atraente para a Areva-Siemens (consorcio criado em 2005 substituindo a Siemens-KWU, que constrói Angra 3) e sua suspensão obrigará a que se monte todo um novo esquema financeiro, que poderá atrasar ainda mais a obra e possivelmente inviabilizá-la. E a interrupção de Angra ampliará a discussão sobre usinas nucleares no Brasil.
A ONG ambientalista alemã Urgewald está bastante empenhada nessa pressão, há vários deputados alemães que já estão se posicionando contra a concessão da Garantia, por não concordarem com a moral dupla em que essa concessão se apóia; vários deputados brasileiros enviaram cartas nesse sentido a parlamentares alemães; duas dezenas de organizações brasileiras enviaram uma carta conjunta aos mesmos destinatários com os mesmos objetivos; cinquenta personalidades internacionais, como já citado, movidos pelas mesmas razões éticas entregaram um apelo ao governo alemão para que reveja os critérios de concessão da Garantia, e a ordem dos Advogados do Brasil prepara o envio de uma mensagem aos parlamentares alemães sobre a insegurança jurídica da obra de Angra III, que poderá ser suspensa e até embargada se o Superior Tribunal Federal do Brasil acolher sua Arguição quanto à sua ilegalidade. Alem dessas pressões na Alemanha, Greenpeace fez mobilizações com o mesmo objetivo na Argentina e no Chile
O Parlamento alemão deverá tomar essa decisão na ultima semana de Fevereiro, razão pela qual é extremamente preocupante a viagem que a Presidente Dilma fará aquele pais exatamente nessa data, como já foi dito anteriormente.
3.3. Iniciativa Popular de proposta de PEC
No quadro de uma campanha mais ampla com o titulo “Brasil livre de Usinas Nucleares”, a Coalizão e a Articulação elaboraram uma Iniciativa Popular visando a apresentação, no Congresso Brasileiro, de um projeto de Emenda Constitucional – PEC, vedando a construção de novas usinas no Brasil e determinando o desmonte de Angra I e II e a interrupção da construção de Angra III.
Como se sabe, a Iniciativa Popular é um instrumento de participação dos cidadãos na elaboração legislativa criado pela Constituição de 88, exigindo que o projeto seja subscrito por 1% do eleitorado, o que corresponde hoje a perto de um milhão e meio de assinaturas. Esse instrumento só pode, porem, ser utilizado para a apresentação de projetos de lei, e não de emendas constitucionais. Sabe-se, no entanto, também, que na prática nenhuma Iniciativa Popular tramita como tal, pela impossibilidade material de verificação do número e da validade das assinaturas, sem o que as leis que delas resultem poderiam ser contestadas por vicio de iniciativa. Diante disso, foi adotado, nas três Iniciativas Populares já apresentadas ao Congresso nestes 23 anos, o sistema de transformá-las em Iniciativas Parlamentares, assinadas por parlamentares que mereçam a confiança das organizações que as promovem. Nesse quadro as assinaturas de 1% do eleitorado tem acima de tudo um peso político e não formal.
Ora, isto permite que se promovam Iniciativas Populares de Emenda Constitucional, que se tornam assim “propostas de PEC” a serem assumidas pelos parlamentares que as assinariam se fossem um simples projeto de lei, tendo no entanto que obter o numero mínimo de assinaturas de parlamentares exigido constitucionalmente. Esse é portanto o processo que está sendo usado no caso da Iniciativa Popular proposta pela “Coalizão” e pela “Articulação”.
Trinta organizações assumiram até agora a condição de proponentes e 10 a de apoiadoras da Iniciativa Popular, e as folhas assinadas começam a se acumular. Dada a urgência da iniciativa, que é um instrumento importante para colocar a questão nuclear em debate, no trabalho de esclarecimento da população, não foi possível esperar pela CNBB. Mas ainda está em tempo, já que a cada dois ou tres meses publicamos uma nova edição do formulário de coleta de assinaturas, agregando os nomes daquelas entidades que vão se associando ao esforço. E está em tempo, mais ainda, da CNBB se associar à coleta de assinaturas, repetindo sua experiência com a Lei 9840 e com a Lei da Ficha Limpa. Se me fosse autorizado sonhar, ficaria imaginando a possibilidade dessa decisão ser tomada na próxima Assembleia Geral...
3.4. A comemoração do 1º aniversário do desastre de Fukushima
Uma ONG francesa, país do mundo mais encalacrado na armadilha do nuclear, chamada “Sair do Nuclear” (Sortir du Nucléaire) está promovendo uma “corrente humana” ligando as cidades de Lyon e Avignon, região onde estão muitas das usinas nucleares daquele país, no dia 11 de março de 2012, data em que se comemora o 1º aniversário do desastre de Fukushima. Será um ato de solidariedade aos japoneses e de protesto contra o uso da energia nuclear para produzir energia elétrica.
Essa ONG está convidando pessoas e organizações do mundo todo a fazerem o mesmo em seus paises, nessa mesma data. Em muitos lugares algo está sendo organizado. No Brasil já há atividades desse tipo sendo preparadas pelo menos em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Angra dos Reis, Salvador da Bahia, Caitité (onde se encontra a mina de urânio). Atos em outras cidades se agregarão, todas combinando a atividade com a coleta de assinaturas na Iniciativa Popular.
Ao que parece o Templo Budista de Brasília organizará alguma coisa também nessa data. Fica o convite para que algo se faça na capital federal.
3.5. A constituição de uma Frente Parlamentar e Chernobyl
Está sendo discutida a formação de uma Frente Parlamentar por um Brasil Livre de Usinas Nucleares. Como vários parlamentares escreveram aos seus colegas alemães sobre a concessão da Garantia Hermes, eles já constituem uma base para a formação dessa Frente, que seria fundamental para que se pudesse aprovar no Congresso a PEC que estamos propondo.
Ao mesmo tempo, a ONG suíça “Cruz Verde Internacional”, fundada por Gorbatchev, está estudando a possibilidade de uma comitiva de parlamentares brasileiros integrarem a delegação (com suíços, alemães e franceses) que fará uma visita a Chernobyl de 23 a 27 de abril próximo. Tais visitas tem se revelado decisivas: os que delas participam se convencem da necessidade de abolir definitivamente o uso de usinas nucleares para produzir eletricidade. Foi proposto igualmente que uma representação dos Bispos brasileiros participasse dessa delegação.
3.6. Rio + 20
A realização da Conferência das Nações sobre meio ambiente no Rio em Junho próximo, a chamada Rio+20, será uma oportunidade de ouro para que a sociedade brasileira mostre ao resto do mundo que está decidida a extirpar de nosso território a terrível ameaça dos acidentes nucleares e do lixo atômico. Se tivermos chegado até lá a um número significativo de assinaturas em nossa Iniciativa Popular, caberia dentro dessa Conferência um ato comemorativo importante, ao qual se somariam todos os que, em outros países do mundo, vem lutando pela mesma causa. A constituição nessa ocasião de uma Coalizão Mundial contra Usinas Nucleares, ou por um Mundo Livre de Usinas Nucleares, poderia ser um marco importante da história da humanidade, ou de uma Humanidade que pensa nas gerações futuras.
A guisa de conclusão, eu tomaria a liberdade de dizer, como cristão, que a CNBB não pode se ausentar desse debate. Mais do que isso, deveria contribuir com toda a força que tem para que ele se espalhe por todo o país, imediatamente, antes que seja tarde
A QUESTÃO NUCLEAR
Texto abaixo de apresentação da questão nuclear ao CONSEP - CONSELHO EPISCOPAL PASTORAL, DA CNBB - CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
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> CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Conselho Episcopal de Pastoral – 5ª Reunião
Brasília - DF, 14 a 16 de fevereiro de 2012
Texto de apresentação da questão nuclear ao CONSEP - Conselho Episcopal Pastoral, da CNBB
Porque é importante discutir, no Brasil, a questão nuclear?
Chico Whitaker, fevereiro de 2012
I. O Quadro mundial
1. O desastre de Fukushima
A questão nuclear foi colocada de forma dramática em todo o mundo pelo desastre ocorrido na usina nuclear de Fukushima, Japão, em 11 de março de 2011.
Nesse dia o mundo foi sacudido pela noticia da tragédia que se abateu sobre o Japão, com um terremoto de 8,9 graus, um dos maiores de que temos conhecimento . Com epicentro a 130 km da sua costa leste, ele provocou em seguida um maremoto (tsunami) com ondas de mais de 10 metros de altura, que invadiram mais de 10 km de terra. Houve milhares de mortos e uma enorme destruição .
A essa tragédia se somou outra: um dique de 5,7 metros de altura que protegia reatores atômicos para produção de energia elétrica, na cidade de Fukushima, não resistiu a uma onda de 14 metros, e os reatores sofreram avarias, com a danificação dos seus sistemas de refrigeração que fez os reatores fundirem e ocasionaram explosões. A gravidade dessa segunda tragédia vai mais longe do que a das mortes provocadas pelo desastre natural, que enlutou milhares de famílias. Os equipamentos coletivos, casas e edifícios que ele destruiu podem ser reconstruídos e as perdas em bens podem ser indenizadas; enquanto a explosão de uma usina nuclear, alem das mortes imediatas que pode provocar, tem efeitos de médio e longo prazo, pela contaminação radioativa da terra, do ar, da água, das plantas e das pessoas, que ameaçará mais de uma geração com doenças como o câncer e provocará malformações nos que vierem a nascer, durante muitos anos . A dispersão de elementos radiativos provocada pela explosão de reatores e pelos vazamentos de água que os refrigera obrigou as autoridades a evacuar 3 mil moradores num raio de 3 km e logo em seguida 45.000 num raio de 10 km, depois aumentado para 20 km.
E até hoje todo o Japão se sente ameaçado pelos efeitos desse chamado “acidente nuclear”. Segundo o governo japonês os problemas hoje estão sendo resolvidos, mas ele é contestado pelos que dizem que “a declaração do governo se baseia em uma suposição. Não existe base científica e factual para comprovar que a situação está sob controle”.
O desastre ocorrido no Japão como que despertou o mundo para a questão nuclear. Foi como se Deus nos tivesse enviado um recado a nós, pobres seres humanos: cuidado com a tentação de se considerarem deuses...
A emoção reavivou a memória de outra tragédia, ocorrida há vinte e cinco anos, em 26 de abril de 1986, em Chernobyl, na então União Soviética. Se no Japão, pais dispondo de alta tecnologia, a natureza se encarregou de fazer surgir um imprevisto de rara magnitude, com o terremoto e o maremoto, na União Soviética o desastre foi devido a erros humanos. Os números são sempre impressionantes. O acidente teve 400 vezes mais radiação que a bomba atômica de Hiroshima, produzindo uma imensa nuvem de radioatividade que contaminou pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta região e atingiu, além da União Soviética, a Europa Oriental, a Escandinávia e a Grã Bretanha. 5 milhões de hectares de terra foram inutilizados. Foram evacuadas e reassentadas 200 mil pessoas . Um relatório da ONU de 2005 falava em somente 56 mortes até aquela data (e por isso mesmo esse relatório é contestado por Greenpeace) mas estimava que cerca de 4.000 pessoas morreriam por doenças provocadas pelo acidente . “E a explosão de hidrogênio e combustão da grafita usada para moderar aquele reator produziram uma nuvem que carregou produtos de fissão altamente ativos como o Césio-137 e o Estrôncio-90, para boa parte da Europa . Alguns desses produtos ainda são encontrados nos solos e contaminam alimentos na Ucrânia e na Bielorússia” .
A usina propriamente dita de Chernobyl foi então coberta por um enorme sarcófago de concreto e aço, que há pouco no entanto começou a vazar radioatividade. O novo sarcófago que se tornou necessário custará 740 milhões de euros (em torno de um bilhão de dólares), dos quais o governo da Ucrânia só conseguiu arrecadar 580 milhões, fazendo com que o tema tenha se tornado objeto da pauta das reuniões do G20, sem que se saiba ainda que solução será dada...
2. Segurança e custos
Escondidos no entanto por esses acidentes mais recentes e mais “tragicamente espetaculares”, por assim dizer, uma longa lista de acidentes vinham ocorrendo ao longo dos últimos 60 anos, desde que usinas nucleares começaram a ser implantadas nos países do mundo que contavam com recursos suficientes para fazê-lo (ver lista de 33 acidentes no anexo III). Nem todos foram noticiados com a mesma intensidade, uma vez que o conhecimento deles tende a apavorar a população. Por isso mesmo tenta-se minimizá-los quando ocorrem , e não se insiste em continuar falando deles ... É bom lembrar que o acidente de Chernobyl só foi anunciado quando foi detectada radioatividade fora da União Soviética... Segundo o professor Joaquim Francisco de Carvalho , a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recebe cerca de 10 a 15 notificações por ano .
O fato portanto é que essas aventuras tecnológicas não se mostram seguras . Causados pela natureza ou por erros humanos, que podem ocorrer até em países que dispõem de alta tecnologia... , esses acidentes vem determinando um aumento dos cuidados que devem ser tomados e da discussão sobre a possibilidade efetiva de evitar acidentes - uma vez que a explosão de um reator pode ter efeitos equivalentes ou muito maiores do que uma bomba atômica, quanto à dispersão de radioatividade. Essa questão da segurança passou assim a ser a grande preocupação – e única de fato, como se todo o problema fosse simplesmente esse.
O aumento dos cuidados automaticamente exigiu um aumento nos gastos para instalar e operar os reatores, o que coloca em questão também sua validade quanto aos custos da energia elétrica produzida por essa forma extremamente perigosa “de esquentar água para produzir o vapor que fará girar as turbinas que irão gerar energia elétrica”, como dizem os cientistas ... O Tribunal de Contas da França, em relatório solicitado pelo governo, concluiu que o investimento para manter ativas as usinas nucleares francesas será duas vezes maior entre 2011 e 2020 , em razão das medidas impostas pela Agência de Segurança Nuclear (ASN) à companhia EDF após o acidente em Fukushima .
Mas se os custos dessa prevenção terão que ser embutidos nos preços que pagaremos pela energia, tendendo a torná-la inviável, onde serão contabilizados os gastos com os desastres que ocorram? Quem os paga são os governos – ou seja, nós mesmos, através de nossos impostos. Serão eles deduzidos dos lucros das empresas que produzem energia e devolvidos aos cidadãos, tornando ainda mais inviável a aventura nuclear?
Quaisquer que sejam no entanto esses cuidados custosos, os cientistas não envolvidos com os interesses da industria nuclear não veem possibilidade efetiva de evitar acidentes e se mostram cada vez mais incisivos em negar a segurança dos reatores. O físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, declarou taxativamente , em entrevista ao jornal Metro Campinas: “Não há reatores totalmente seguros. É ilusão pensar isso”. Para o Professor da Universidade Federal de Pernambuco Heitor Scalambrini Costa, em palestra no Fórum Social Temático realizado em fim de janeiro de 2012 em Porto Alegre, não existe a possibilidade de risco zero na produção da energia nuclear . Para o Professor Joaquim Francisco de Carvalho do Instituto de Eletrotécnica e Eletricidade da USP, “Não existe máquina infalível nem obra de engenharia 100% segura” . Sabemos todos que os seres humanos não são capazes de tudo prever...
3. Repercussões políticas
Face a esses dados, é importante relembrar o que aconteceu depois de um dos acidentes nucleares mais conhecidos, o de Three Miles Island , nos Estados Unidos em março de 1979 – citado com Chernobyl e Fukushima como um dos três maiores conhecidos até agora. Esse acidente levou o governo norte-americano a abandonar seu programa de construção de novas usinas naquele país; a partir de 1979 ele decidiu cuidar somente da operação e segurança das 104 existentes. Mas esse exemplo infelizmente não foi seguido.
Somente agora, com a questão da segurança tornada ainda mais evidente pelo desastre de Fukushima, estão sendo tomadas decisões políticas contrárias a usinas nucleares, em muitos países. Na Alemanha, a pressão social levou o governo a suspender seu programa de construção de usinas nucleares e desativar as usinas existentes, todas devendo estar completamente paradas em 2021. A empresa alemã Siemens decidiu desativar seu setor nuclear. Na França, que é quase inteiramente dependente dessa forma de geração de energia , mergulhou-se numa grande discussão nacional sobre a necessidade e a possibilidade de “sair do nuclear”. Um plebiscito na Itália praticamente proibiu seu governo de pensar em implantar usinas naquele pais. A Bélgica e a Suíça estão fixando prazos para desativar suas usinas nucleares.
Apenas cinco dos 32 países que hoje mantém usinas – China, Índia, Japão, Coréia do Sul e Rússia – têm planos de criar ou aumentar suas instalações nucleares a longo prazo, segundo uma organização internacional ligada à industria nuclear (Nuclear engeneering), sem se referir ao Brasil . E as mesmas fontes informam que a Turquia, que tinha planos de construir sua primeira usina nuclear, abandonou esse projeto “pelos menos para os próximos 10 ou 20 anos”, segundo declarou seu primeiro ministro em 25 de julho de 2011.
Mas infelizmente, no entanto – e essa é a grande questão não discutida - a segurança dessas “bombas atômicas dormentes” que existem em tantos países é apenas parte do problema. E uma parte pequena do problema.
Duas outras ameaças muito mais violentas acompanham necessariamente a instalação e operação de usinas nucleares para produzir eletricidade. De ambas pouco se fala ou se evita falar. A primeira é o fato da construção e operação de usinas constituírem o passo decisivo para que se possa construir bombas atômicas. Tem-se receio de abordar essa ameaça, imersa que ela está na questão da segurança dos países, como se fosse uma temeridade entrar no campo dos segredos militares. A segunda é muito mais grave do que hipóteses de guerra atômica ou de disparo acidental de ogivas nucleares, exatamente porque ela já está se concretizando e se agravando à medida em que o tempo passa: a ameaça do “lixo atômico”, que não somente já está colocando em risco nossas vidas mas também a de muitíssimas gerações que nos sucederão no planeta Terra.
4. O risco da bomba
O risco da bomba é o risco da proliferação de armas atômicas. Todos nos lembramos do horror das bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Elas mataram imediatamente 140.000 pessoas na primeira dessas cidades e 80.000 na segunda, sem contar os que morreram posteriormente, vitimas das radiações. E as duas cidades foram arrasadas. Difícil pensar que hoje em dia algum governante de algum país possa decidir usar novamente essa arma para se impor pela força e pelo terror. Mas dispor de ogivas nucleares é assunto de predileção dos militares que almejam dissuadir outros países a usá-las contra seu país. Hoje há pelo mundo afora um grande número de ogivas nucleares esperando o momento de serem utilizadas, a partir de bases fixas ou moveis, como os submarinos atômicos. Ou de serem disparadas por engano, até com armas como o míssil norte-americano MX, ou Peacekeeper (Mantenedor da paz), desenhado para lançar 21 ogivas de 10 megatons cada uma para alvos separados a mais de 8 mil quilômetros...
Ora, por mais que se negue que os programas de construção de reatores para produção de energia elétrica tenham objetivos militares , o tratamento do urânio que os reatores nucleares exigem e o plutônio que dele resulta está a um passo da tecnologia necessária para a fabricação de bombas atômicas . Por isso, os que lutam contra essa proliferação acompanham unanimemente a denúncia feita pela “Fundação pela Paz na Era Nuclear”, dos Estados Unidos, em documento elaborado em solidariedade às vitimas de Fukushima:
"(...) programas de energia nuclear usam e criam materiais físseis que podem ser usados para fazer armas nucleares e assim, fornecem um caminho comprovado para a proliferação de armas nucleares. Vários países já usaram programas nucleares civis para fornecer materiais físseis para fazer armas nucleares. Outros países, particularmente aqueles que contam com instalações de reprocessamento de plutônio e de enriquecimento de urânio, poderiam facilmente fazê-lo se o decidirem. A propagação das centrais nucleares não só tornará o mundo mais perigoso, mas tornará mais difícil, se não impossível, a meta de um mundo livre de armas nucleares."
É dentro dessa perspectiva que se calcula que hoje em dia já tenham sua bomba ou estejam em condições de produzi-la a curto prazo, alem dos Estados Unidos, França, Rússia, e China, cerca de vinte outros países, entre eles África do Sul, Argentina, Brasil, as duas Coréias, Taiwan, Irã, Iraque, Israel, Líbia e Paquistão.
5. O Lixo atômico
A ameaça do “lixo atômico” é no entanto muito mais concreta e imediata. Ela é extremamente grave porque está incluída na rotina do funcionamento das usinas e por isso tornou-se aceitável como algo “natural”, de que não se pode escapar.
Esse “lixo” compreende tanto os equipamentos e instrumentos de trabalho usados na operação dos reatores como os resíduos do uso do combustível com o qual eles funcionam, as chamadas “cinzas da combustão de urânio” e os produtos de sua fissão . Os raios emitidos por essas substâncias são extremamente nocivos à saúde, porque possuem um grande poder de penetração, invadindo as células do organismo e podendo levá-lo à morte.
O grau de radioatividade pode ser baixo, médio ou alto. Com isso o lixo é classificado em diversas categorias. Os primeiros (LLW, de “low level waste” em inglês), mantém sua radioatividade durante “somente” 300 anos; os últimos (HLW, de “high level waste”) exigem, para perdê-la, milhares e até milhões de anos. Entre estes está por exemplo o plutonio 239, cuja “meia vida”, isto é, o tempo necessário para perder a metade de sua irradiação, é de 24.000 anos, ou o cesio 135, que perderá essa metade em 2,3 milhões de anos, ou ainda o iodo 129, que exigirá 16 milhões de anos para essa sua “meia vida”...
O documentário dinamarquês “rumo à eternidade” (“Into Eternity”), sobre a construção de um depósito de lixo atômico altamente radioativo em Onkalo, na Finlândia, começa dizendo que a humanidade tem 50.000 anos, as pirâmides do Egito 5.000 anos, e o lixo atômico tem que ser guardado 100.000 anos...
O lixo de radioatividade de vida curta, a ser portanto guardado à distância dos seres humanos “somente” durante 300 anos, correspondem a aproximadamente 90% de todo o lixo que se acumula. Podem ser compactados e acondicionados em tambores lacrados, como os que vemos nas fotos de Angra dos Reis, aqui no Brasil . O de vida radioativa média (ILW, de “intermediate” em inglês), que corresponde a aproximadamente 9% do lixo, já exige tratamentos para resfriamento, filtragens, diminuição de seu volume, etc, operações de alto custo e igualmente perigosas, antes de ser enterrado em poços profundos especialmente construídos. Já o de longa vida radioativa, em torno de 0,5%, como o conteúdo das famosas varetas de urânio que são colocadas no coração dos reatores, tem que ser, depois de vários tratamentos, envolvidos por vidro derretido, a ser enterrado em poços ainda mais profundos, debaixo de granito ou de pedras de sal .
Pode-se imaginar quantas vezes o território francês é cruzado, sem que a população saiba dos perigos que estão se movendo ali ao seu lado, com comboios de trens e caminhões levando de um lado para outro as 1200 toneladas de lixo que seus 58 reatores produzem a cada ano; chegando hoje já a mais de 50.000 toneladas, que tem que ser tratadas e estocadas de diferentes maneiras, segundo sua periculosidade, ao abrigo de terremotos e quedas de avião...
O grande escândalo é que as usinas existentes continuam ininterruptamente a produzir o lixo, que se acumula, enquanto os tecnocratas de plantão dele pouco falam e continuam a discutir o preço da energia produzida nessas usinas, sua posição na matriz energética, suas vantagens e desvantagens, suas condições de segurança. E os governos dele falam menos ainda, reagindo somente quando ocorre algum desastre nas usinas. Radioatividade não é problema deles, como pode atestar a Associação das Vitimas do Cesio de Goiânia, o mais grave episódio de contaminação por radioatividade ocorrido no Brasil, em 1986.
6. E os reatores para usos científicos e medicinais?
O dramático para todos nós é que o desafio colocado pelo lixo atômico leva de roldão toda a defesa que possa ser feita do chamado uso pacifico da energia atômica: construção e operação de reatores para a pesquisa científica e para a produção de substâncias radioativas uteis na medicina. Todos eles carregam consigo, pela produção automática de lixo atômico, a maldição da herança que os reatores deixam para as futuras gerações, qualquer seja o seu tipo e a sua finalidade – até mesmo aqueles que se destinariam “simplesmente” à propulsão de submarinos durante um longo período de tempo. Assim também as substâncias radioativas de uso medicinal criam de imediato enormes riscos ali mesmo onde são utilizados.
Um exemplo desse risco imediato foi o do já citado acidente com o césio 137 em Goiânia, no Brasil . Pouco mais de um ano depois do acidente ocorrido em Chernobyl, em 13 de setembro 1987, a irresponsabilidade dos proprietários de uma clinica de radioterapia em Goiânia os fez abandonar, no edifício do qual saíram, um aparelho contendo uma cápsula de menos de 100 gramas que continha 19 gramas de cesio 137, altamente radioativo . Pouco menos de um mês depois do alerta que foi dado 16 dias depois da capsula ter sido desmontada, faleceram suas primeiras quatro vitimas . A essas mortes se seguiram 60 outras, entre as quais a de funcionarios que realizaram a limpeza dos locais. O Ministério Público reconheceu 628 vitimas contaminadas diretamente, e a Associação de Vitimas do Césio 137 estima que mais de 6 mil pessoas foram atingidas pela radiação.
O lixo atômico nesse acidente, produzido por apenas 19 gramas de césio 137, foi de 13.500 toneladas, colocado em 14 containers lacrados contendo 1.200 caixas e 2.900 tambores, que deverão permanecer por pelo menos 180 anos debaixo de uma montanha artificial no município de Abadia de Goiás, ao lado de Goiânia, dentro de um receptáculo com paredes de um metro de espessura de concreto e chumbo.
Haverá pesquisa em andamento para não precisarmos de reatores para produzir materiais de uso medicinal, já que todo reator carrega consigo essa ameaça do lixo? O que fazer, até lá, com o lixo atômico proveniente de hospitais e clínicas, se é que estamos a salvo de outros acidentes como o de Goiânia, em que a irresponsabilidade se juntou ao desconhecimento do perigo que se esconde em aparelhos que manipulamos com a melhor das intenções?
7. O problema da mineração do urânio
Para complicar anda mais todo esse quadro, temos que considerar que os riscos começam antes: com a mineração do urânio. O urânio encontrado na natureza é o U238. Com o processo de seu enriquecimento, dele se extrai o U235 que, depois de sintetizado com oxigênio, é encapsulado para ser comercializado e usado sob a forma de pastilhas. Esse urânio enriquecido e encapsulado é o combustível usado dentro dos reatores.
No Brasil há uma mina de exploração do urânio, em Caitité, onde os problemas gerados na população alertaram algumas organizações da sociedade civil . A mina começou a funcionar em 2000. Desde então não para de crescer a incidência de câncer na população.
Segundo relatou Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA), no Fórum Social Temático de Janeiro de 2012 em Porto Alegre, “tudo começa com a explosão de dinamite na rocha, que gera o gás radônio , que não tem cheiro nem cor e vai ser inalado pelas pessoas, que nem sabem que isso está acontecendo. Este gás contamina a água, o solo, os produtos agrícolas, os animais, as pessoas. Ninguém sabe a extensão das contaminações na bacia hidrográfica abaixo. Até a água que a população bebia foi considerada contaminada”. E completa: “Desde sempre soubemos que é melhor deixar o urânio embaixo da terra”. A proposta dessa organização não podia ser outra senão a de que essa mina seja desativada, assim como todo o programa nuclear brasileiro. E que o governo implante um programa de atendimento da população atingida pelos vários efeitos da radioatividade .
Mas minério é fonte de divisas... Seu comércio pode ser extremamente rentável, especialmente se as usinas nucleares se multiplicarem pelo mundo... Estima-se que o Brasil tem a fortuna de 309.000 toneladas de minério de urânio ainda escondidas debaixo da terra. Há uma grande questão ética na busca de resultados econômicos e financeiros através de atividades que são prejudiciais aos seres humanos... Mas em que sistema vivemos, e em que lógica estão imersos nosso comercio internacional e nossa política de governo?
8. Conclusões preliminares
Talvez seja a junção de todas essas perspectivas – dos acidentes, da proliferação das armas atômicas, da mineração, do lixo atômico - que levou um monge budista de Hokkaido, no Japão, a afirmar, em entrevista dada em janeiro de 2012 em Porto Alegre, durante o Fórum Social Temático em preparação da Rio+20 (ver anexo I) que “existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”.
Sem nenhuma dúvida, estamos diante de um espantoso e terrível brinquedo de aprendiz de feiticeiro que é a manipulação do átomo, pretendendo domesticá-lo para dele retirar a energia que Deus inventou. Há muitos cientistas, tecnocratas, funcionarios de governo, militares e empresários que, pelo mundo afora, com diferentes objetivos, minimizam levianamente os reais riscos do uso da energia nuclear e sobre-estimam sua capacidade técnica, organizativa e financeira de os evitar. Com isso eles estão abrindo um enorme flanco de fragilidade para a continuidade da espécie humana, mais alem de todas as ameaças que hoje são denunciadas pelos que se preocupam com o meio ambiente. Desastres naturais, falhas de projeto, erros humanos, megalo-ambições e até ações enlouquecidas de terrorismo atingindo centrais nucleares, estações de tratamento de resíduos, minas de urânio, depósitos de resíduos e veículos de transporte de lixo atômico podem causar, a qualquer momento em nossos mais próximos entornos, catástrofes com trágicas repercussões.
Além disso, como já vimos, a própria atividade nuclear “normal” gera consequências de longuíssimo prazo. O mínimo que se pode dizer é que estamos diante de um autêntico filme de horrores. E o mínimo que uma sociedade consciente teria que fazer seria exigir que todos os reatores parassem até que se resolva o problema do lixo nuclear.
Mas onde se esconde a ética em nossos países, ditos desenvolvidos, em desenvolvimento ou “emergentes”?
II – O quadro no Brasil
1. “Nossa bomba” e nossos submarinos atômicos
A opção nuclear começou mal no Brasil. A decisão foi tomada durante o regime militar imposto ao país em 1964, com o general Costa e Silva criando, em 1967, o Programa Nuclear Brasileiro. A construção de Angra I começou em 1971, durante o governo do general Garrastazu Medici. Numerosas fontes afirmam que a decisão tinha por objetivo chegar à “bomba atômica brasileira”. Era o projeto do Brasil Grande.
É evidente que em nenhum momento o governo brasileiro assumiu publicamente que estivesse interessado em qualquer tecnologia bélica como a da bomba atômica . Mas vários detalhes vieram à tona, revelando a existência de um Programa Paralelo, com um objetivo bem claro: a bomba. Segundo o Acordo do Brasil com a Alemanha para a construção de Angra II e Angra III, a Alemanha cederia ao Brasil a tecnologia da construção da central nuclear, bem como o método de enriquecimento do urânio, um processo de altíssimo nível tecnológico, e ponto chave do ciclo nuclear que chega até a bomba .
Muitos laboratórios foram montados, equipamentos comprados, milhares de pessoas treinadas. Mas o processo de enriquecimento dos alemães era muito complexo e inviável para os fins que o Brasil desejava. O Acordo perdeu com isso quase que a metade de suas vantagens. Foi quando entrou o Programa Paralelo: criou-se o Centro Experimental Aramar, em Iperó, no interior do Estado de São Paulo, um complexo de pesquisa para desenvolver e controlar o processo de enriquecimento do urânio por ultracentrifugação, absolutamente clandestino e sem fiscalização internacional, mas com os três ramos das Forças Armadas brasileiras bem articulados .
Aramar continua a existir com limitados recursos financeiros encaminhados pela Marinha. Aparentemente, toda a busca por poderio bélico foi cessada, com o fim do governo militar. Ainda assim, aparentemente... E recentemente o vice-presidente da Republica, Michel Temer, fez uma visita a esse Centro de Pesquisa da Marinha, acompanhado de alguns deputados, da qual saiu bastante impressionado com o alto nível tecnológico encontrado, segundo os jornais...
Mas o interesse nuclear dos militares não se restringe a essa eventual busca da “bomba atômica” brasileira. Eles declaram outro objetivo dito de defesa nacional: construir um submarino impulsionado por um reator nuclear, que lhe dará mais tempo de imersão. Tal arma não serviria para carregar ogivas mas para proteger nossa reservas de petróleo no pré-sal, comandando o conjunto de seis submarinos normais já comprados da França... Na defesa desse programa juntam-se todos os argumentos possíveis . E quando o governo lança um programa de construção não de somente um mas de quatro submarinos, “fazendo o Brasil ingressar no seleto grupo de nações detentoras de uma das mais avançadas tecnologias militares”, não estão faltando os alertas quanto ao desequilíbrio das relações de poder dentro da América Latina .
2. Os reatores para produção de energia elétrica
A entrada do Brasil na construção de reatores destinados à produção de energia elétrica, escondida atrás da porta constrangedora da Bomba, é pelo menos vergonhosa para nós brasileiros.
Segundo o relato feito pelo Museu da Corrupção, mantido na Internet pelo Diário do Comércio, Angra I “foi resultado de um ambicioso programa nuclear durante a ditadura militar com a compra de equipamento duvidoso da americana Westinghouse, acusada de subornar o ditador Ferdinand Marcos das Filipinas” . Para lhe vender usinas...
A má qualidade do equipamento levou a que quebrasse 22 vezes provocando alguns acidentes, e Angra I entrou em operação somente em 1983. Ele jaz hoje na praia de Itaorna, ao lado de Angra 2, quase sempre desligado. Os físicos José Goldemberg e Luiz Pinguelli Rosa não poupam criticas, até com uma dose de humor: “É um PWR-Westinghouse, uma espécie de Fusca 1967, comprado nos Estados Unidos naquele ano. Seu apelido é vaga-lume. Quando está ligado, gera 650 megawatts. Mas como o nome indica, vive piscando. Mais apagado que aceso. Tem um dos mais baixos índices de eficiência do mundo”.
Já Angra II, que entrou em operação em 2.000, resultou do Acordo de Cooperação Nuclear firmado com a Alemanha em 1974 (que incluía a experimentação com o enriquecimento de urânio), em que se abandonou a tecnologia da Westinghouse e se previu o uso de tecnologia da Siemens. Esta hoje se retirou do mercado do nuclear mas já vendeu ao Brasil todo o equipamento de Angra III, que se encontra estocado à espera da conclusão das obras civis. A Siemens foi substituída em Angra III pela sua sócia, a empresa francesa AREVA, que se encarregará de completar a construção dessa usina.
Mas no programa nuclear de Angra o que se vê são atrasos, multas, juros e erros, desde as fundações mal calculadas de Itaorna (que se sabe que quer dizer, na língua indígena, terra podre). Segundo Goldemberg e Pinguelli Rosa, quando se discutia sobre a necessidade de concluir Angra 2, essa usina é um desses casos além do ponto de não-retorno. Desistir significa assumir um prejuízo maior do que o necessário para concluir. Para eles, era um desperdício monstruoso de dinheiro, mas concluir Angra 2 teria alguma racionalidade (desde que se quisesse manter o programa nuclear brasileiro...). Já para Angra 3, o raciocino não serviria. A Eletrobrás pretende construí-la no mesmo solo, sob o argumento de que 40% dos equipamentos já foram comprados. Mas, segundo esses mesmos físicos, ela não tem justificativa energética.
Ora, com todos os riscos criados pelas usinas nucleares, alem de seu alto custo (10 bilhões de dólares só em Angra III, sem contar os acréscimos que serão exigidos por força de novas medidas de segurança que passaram a ser exigidas depois do desastre de Fukushima) essas três usinas deverão responder por pouco mais do que 1% da energia elétrica disponível no Brasil. Porque então insistir na geração de energia elétrica através de reatores nucleares, se é que não se tem, como se afirma, o propósito de pretender “dominar o ciclo do combustível nuclear” para fins militares? E quando questões tecnológicas importantes, como a do lixo radioativo, permanecem abertas, sem solução, tanto no Brasil como no mundo? Porque continuar a discutir “perfumarias” técnicas, diante dos problemas criados pelo nuclear, que exigem muito mais seriedade política?
3. A necessidade de energia vinda de reatores nucleares
O argumento fundamental para construir muitas novas usinas nucleares no Brasil é o da necessidade absoluta de se dispor de uma quantidade crescente de energia elétrica para assegurar a continuidade do crescimento econômico do Brasil, lançando mão de todas as possibilidades existentes, para não ser surpreendido pela insuficiência na oferta ou por apagões desastrosos e os prejuízos que os acompanham. E dentro da tradicional prepotência tecnocrática, o governo agregaria, aos 86,4% da energia elétrica gerada no país pelas usinas hidráulicas e aos 12,4% gerados pelas usinas térmicas, a que fosse gerada por reatores nucleares, considerada a mais limpa (não emite gás carbônico) e a mais barata (será mesmo?) que as demais formas de obter energia elétrica, o que compensaria suas desvantagens. Feitos os cálculos e dispondo-se dos bilhões necessários para isso, poderia ser alcançada uma porcentagem de energia produzida por reatores atômicos muito maior do que o 1,2% atual, seguindo o (mau) exemplo da França que hoje atende a 77% de suas necessidades em energia elétrica com reatores nucleares. Nada portanto de novo.
A raiz da necessidade de cada vez mais energia elétrica é portanto o modelo de desenvolvimento que o Brasil adotou, reduzido a crescimento econômico ou, na melhor das hipóteses, crescimento com distribuição de (não da) renda, para que os shopping centers ganhem cada vez mais fregueses. Modelo esse que provoca hoje em dia em nosso país uma onda de ufanismo, no orgulho de ter conseguido passar ao largo da crise mundial (até agora) e ter se tornado a 6ª economia mundial, ultrapassando a Inglaterra.
Nesse quadro se sente livre a cada vez mais febril atividade das empresas brasileiras que terão lucros fabulosos com esse crescimento, o suficiente para financiar campanhas eleitorais com largueza. E que por isso estão há tempos pressionando cada vez mais o governo para que este contrate grandes obras de todos os tipos, como as grandes barragens – veja-se Belo Monte -, atividades de mineração (incluindo a de urânio), extensíssimas linhas de transmissão de energia elétrica, grandes e modernos portos para a exportação, novas ferrovias e estradas que nos liguem também ao Oceano Pacifico ainda que suas enormes máquinas tenham que invadir terras estrangeiras.
Dentro dessa onda que esmaga tudo à sua frente, por mais que setores sociais assustados com a grandeza de nosso futuro queiram reclamar, as atividades ligadas ao nuclear encontram também a euforia, para satisfação igualmente dos militares, para a construção de Angra III e novas usinas, submarinos atômicos e portos mais do que vigiados em que eles possam se reabastecer de combustível nuclear.
Centenas ou mesmo milhares de pessoas se somarão as que já são empregadas pela indústria nuclear, para produzir e vender equipamentos e matérias primas dentro e fora do Brasil. O poderio financeiro dessa indústria será capaz de construir em torno de si, pelos grandes meios de comunicação de massa, uma aura de progresso e modernidade da qual todos desejarão participar, exacerbando as necessidades insaciáveis de consumo criadas pelo sistema. A ganância abrirá ainda mais caminhos para a corrupção: grandes somas significam também grandes lucros e grandes “comissões”. Tudo isso ainda que em detrimento da segurança dos reatores que aqui sejam construídos, como vem se constatando que aconteceu no Japão vitimado pelo desastre de Fukushima. E o ambiente de negócios do Brasil se tornará entusiasmante – “agora sim, vamos “- empurrado pela sofreguidão de cada vez mais brasileiros que buscam entrar no ranking dos homens mais ricos do mundo, ainda que a custo de uma escandalosa concentração da renda e da manutenção de uma grande parte de nossos concidadãos em níveis de miséria, até que as migalhas caídas das mesas dos ricos cheguem a eles...
4. A desconcertante atitude do governo depois de Fukushima
Na verdade, só a pressão de um ambiente deste tipo explicaria a quase insensibilidade de nosso governo diante da tragédia do Japão e de todos os alertas que ela levantou. Estaria ressurgindo nas cabeças de nossos dirigentes políticos o sonho da Pátria Grande, do tempo dos militares, que ousavam inclusive pretender participar da corrida armamentista mundial que poderá, pelo uso de bombas atômicas, fazer o planeta Terra desaparecer?
Pesquisa feita pela BBC em todo o mundo depois de Fukushima revelou que 79% dos brasileiros eram contra a construção de novas usinas nucleares em nosso país. Mas nosso governo não se comoveu como nossos cidadãos. Ao contrário, segue alegremente dando continuidade a planos mirabolantes de energia nuclear, e não será este ou aquele funcionário mais consciente que irá parar essa máquina. “Nossos políticos não têm mostrado sensibilidade para rever posições equivocadas em relação ao nuclear”, afirmam os professores Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho, do Instituto de Eletrotecnica e Eletricidade da USP . “No dia seguinte ao acidente de Fukushima, o Ministro de Minas e Energia declarou que “as usinas de Angra são 100% seguras e o plano de construir outras não será revisto””. Segundo um assessor da presidência da Eletronuclear, responsável pela operação das centrais nucleares brasileiras, Angra III já tinha em seu projeto, mesmo antes do acidente no Japão, um sistema de segurança mais avançado do que o das usinas Angra 1 e 2 .
O governo, entretanto foi ainda mais longe apresentando o plano de construção de novas usinas à beira do Rio S. Francisco como de “salvação do Nordeste”... E na mesma linha de orientação o BNDES liberou, no fim de outubro de 2011, 308 milhões de reais para dar continuidade à construção de uma terceira usina em Angra dos Reis, enquanto a Eletronuclear anunciava que pretende investir 1,4 bilhão de reais nessa usina até o fim de 2012... Tudo isso sabendo-se que, como escreveram os Professores Joaquim Francisco de Carvalho e Ildo Sauer no jornal Valor de 13 de maio de 2011: Angra está perto dos centros mais densamente povoados e industrializados do Brasil. Um acidente nuclear ali provocaria perdas humanas e paralisaria grande parte da economia, como está acontecendo no Japão pós-Fukushima. Não precisamos correr esse risco.
Se essa é a orientação do governo quanto à construção de novas usinas, o que se pode esperar dele quanto ao terrível problema do lixo atômico? Os tecnocratas de plantão já estão ostentando sua total inconsciência desse desafio que está colocado para toda a humanidade. Com toda a candura um deles explica que uma das alternativas para resolver o impasse sobre o local onde depósitos de lixo devem ser construídos é a criação de uma espécie de “royalty inverso”, sistema em que os municípios receberiam dinheiro não pela extração de um recurso mineral mas para guardar o lixo radioativo. E completa: Não é um problema técnico, mas sim político. Na Coréia, por exemplo, o governo abre uma concorrência invertida. As cidades disputam para receber o depósito por conta das compensações financeiras. É, aliás, o que já começou a acontecer aqui no Brasil depois que o governo abriu uma primeira licitação para a escolha do lugar onde depositar o lixo atômico...
É triste, assim, ter de cogitar algo ainda pior: que a Presidente do Brasil, fiel a essa orientação, escandalize alemães, brasileiros e organizações mundiais durante sua visita à Alemanha programada para o fim do mês de fevereiro, levando aos parlamentares daquele país, que nesse mesmo fim de mês decidirão sobre a continuidade da Garantia Hermes à construção de Angra III, a mensagem de que ela é favorável a essa continuidade, porque quer terminar a construção de mais essa usina nuclear no Brasil. E porque não prosseguir, em seguida, inteiramente na contra-mão das tendências de hoje no mundo, o programa das demais usinas programadas no Brasil, com mais Garantias Hermes para a alegria do consorcio Areva-Siemens?
Antigas organizações ambientalistas da sociedade civil alemã, como Urgewald - que assume por solidariedade conosco uma luta que deveria ser nossa - assim como parlamentares alemães de diferentes partidos, estão empenhados numa intensa ação contra essa continuidade, inclusive com manifestações públicas em Berlim, porque ela será um flagrante exercício de uma moral dupla pelo governo de seu próprio pais: fechar as usinas nucleares da Alemanha, por serem prejudiciais aos seus cidadãos, mas ajudar a que se construam usinas nucleares em outros países.
Nesse mesmo sentido, denunciando o escândalo dessa moral dupla, cinquenta personalidades de muitos países, entre os quais muitos detentores do Premio Nobel Alternativo, acabam de entregar ao governo e ao parlamento alemão um apelo instando-os a não aprovar a continuidade da Garantia .
Mas qual é a lógica de nossas decisões políticas? Se eventualmente um dia decidirmos parar com a energia nuclear, continuaremos a exportar minério de urânio para os demais países que queiram comprá-lo?
5. Alternativas às centrais nucleares para aumentar a produção de energia eletrica no Brasil
Nessa altura de nosso raciocínio entram naturalmente as ponderações de cientistas não envolvidos nos interesses da usina nuclear, como os já citados Professores da USP Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho. Este último afirmou categoricamente, na primeira linha de um artigo no “O Estado de São Paulo” em 6 de abril de 2011: “O Brasil pode cobrir seu consumo de energia elétrica apenas com fontes renováveis de energia primária, sem apelar para usinas nucleares”. A mesma linha de raciocínio é desenvolvida pelo físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, que discorda da opção nuclear por países que ainda tem ouras fontes de energia que podem ser exploradas, como é o caso do Brasil .
No O Globo de 4 de abril o Professor Joaquim Francisco de Carvalho já dissera: “o Brasil não precisa correr o risco de acidentes em usinas nucleares, pois aqui a energia pode vir praticamente toda de um sistema hidro-eólico, com mínima complementação térmica a gás natural. E complementara: dessa forma será possível “armazenar” parte do imenso potencial eólico brasileiro em: reservatórios hidrelétricos, aumentando significativamente o fator de capacidade do sistema elétrico interligado”. E terminou lamentando: “É pena que as autoridades do setor não percebam isso”.
Ambos os Professores escreveram, em artigo conjunto publicado no O Globo de 23 de novembro de 2011: um sistema interligado hidro-eólico teria capacidade suficiente para oferecer eletricidade à população brasileira em escala comparável à de países de alto nível de qualidade de vida, como a França, a Alemanha e a Grã Bretanha. A reserva de segurança do sistema hidro-eólico seria constituída pelas termelétricas a gás já existentes nas diversas regiões do país, que seriam acionadas apenas nos raros períodos hidro-eólicos críticos, com mínimo impacto sobre o custo da energia produzida pelo sistema interligado.
Antecipando-se à provocação do lobby nuclear, perguntando-lhes se sua oposição a usinas nucleares os levaria a optar por construir mais Belos Montes, eles esclareceram, em artigo publicado em 13 de maio no O Globo: “um aproveitamento como o de Belo Monte” poderia ter dado lugar “a hidrelétricas com reservatórios pequenos, escalonados ao longo dos rios, com melhores atributos socioambientais. Para suprir pequenas cargas isoladas, seriam instalados mini-aproveitamentos motorizados com turbinas hidro-cinéticas, evitando a construção de malhas de transmissão pela floresta. E completaram: é indispensável que se faça um inventário dos aproveitamentos hidráulicos e eólicos, ordenando-os por mérito econômico e socioambiental; e que se institucionalize um processo decisório submetido a controle público, para organizar a seqüência das usinas a serem construídas e descartar as que apresentarem problemas insuperáveis” .
Indo mais longe, eles afirmaram no artigo publicado em O Globo de 23 de novembro de 2011, supracitado: “O Brasil dispõe de fontes energéticas muito mais econômicas do que o urânio, que, ademais, são renováveis e não oferecem riscos de acidentes catastróficos como os de Chernobyl e Fukushima. Entretanto, alguns funcionários de estatais argumentam que as usinas nucleares são indispensáveis “para aproveitar as 309.000 toneladas de minério de urânio existentes no Brasil” . A nosso ver, usar esse urânio para gerar eletricidade, seria o mesmo que começar a fumar (mesmo sabendo que esse vício é letal) só porque um comerciante oferece cigarros de graça”...
E não puderam deixar de sonhar, como deveriam fazer nossos responsáveis políticos:
“Mediante o aproveitamento de seu inigualável potencial energético renovável (energias hidrelétrica, eólica, fotovoltaica, etc.), o Brasil poderia se transformar no primeiro grande país do mundo a ter um sistema elétrico inteiramente sustentável, vantagem que colocaria a indústria brasileira entre as mais competitivas do mundo”.
Na perspectiva do sonho, pode-se também falar, para criar um quadro mais otimista, de outras experiências em curso na Europa, como a de hélices movidas pelas correntes marítimas no fundo dos mares, ou a geração descentralizada de energia, de fonte eólica e solar, capaz de suprir necessidades menores como as domesticas ou de pequenas empresas e mesmo de alimentar, com remuneração, as redes principais com sua produção excedente. Como poderíamos pensar, absolutamente dentro do objetivo do crescimento econômico, na potencialmente alta possibilidade de desenvolvimento da indústria dedicada à produção de equipamentos eólicos e solares em vez de reatores atômicos. Inclusive baseando-nos, por incrível que pareça, em programas já em curso no Ministério das Minas e Energia visando objetivos desse tipo.
Na perspectiva da ação podemos considerar tudo que poderia ser feito, pelos nossos governos, em programas reeducativos de toda a população para o consumo consciente de energia. E, em nosso clima tropical, revendo os currículos das escolas de engenharia e arquitetura, para que nossas construções não nos obriguem a trabalhar fechados em salas com luz artificial e ar condicionado ,.
Uma ultima observação me parece importante: tanto o professor Joaquim Carvalho como o Professor Ildo Sauer, acima citados, se dispõem a esclarecer os senhores Bispos, em reunião do Conselho Permanente ou na Assembleia Geral, sobre as dúvidas que tenham sobre a questão nuclear no Brasil.
III – O que fazer?
Terremotos e maremotos, que parecem não ameaçar nosso país, estão fora do controle dos seres humanos. Mas a longa lista de acidentes já ocorridos no mundo, por falhas humanas, de máquinas e de projeto, tem que nos alertar. Poderemos ficar observando tranquilamente o que venha a ser decidido e feito em nosso país, como um assunto secreto, até que o pânico nos domine? O mínimo a exigir na questão nuclear é a transparência máxima.
Temos a obrigação de evitar as tragédias evitáveis, mais ainda quando atingem um numero incontável de nossos irmãos e irmãs em várias gerações, como ocorre com os acidentes nucleares. Temos que interromper a produção atualmente ininterrupta de lixo atômico que se deixará como herança às futuras gerações. Temos o dever de evitar que a tentação de tornar nosso país uma potência atômica tome conta de nossos governantes.
Se forem verdadeiras as afirmações do monge de Hokaido, já citadas (“existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”), estamos diante de um problema ético especialmente grave. Por isso mesmo já há muita gente no Brasil que está se mobilizando com esses objetivos. Cabe a cada um de nós dar a sua contribuição.
1. Plebiscito e outras iniciativas parlamentares
Muitos de nós já cogitaram propor um plebiscito no Brasil sobre a opção nuclear, nos moldes daquele que foi realizado na Itália quando o desastre de Fukushima estava ainda quente na memória coletiva. E nesse sentido já rapidamente agiram o deputado Ricardo Izar (ex-PV de São Paulo) e o senador Eduardo Suplicy (PT de São Paulo), apresentando projetos de lei com esse objetivo na Câmara e no Senado.
Apesar desse tipo de consulta ser de fato a forma mais democrática de tomar grandes decisões políticas, seria temerário realizá-la. Não podemos ser ingênuos. Menos ainda diante de uma decisão de consequências quase eternas. Sabemos que o poderio do lobby nuclear no Brasil, frente a um plebiscito, mobilizaria muitos de seus imensos recursos para enfeitar com agradáveis cores a opção nuclear e consolidaria suas alianças com tecnocratas, políticos corruptos e empresários gananciosos. Nossa vitória num tal plebiscito não obstaculizaria a continuidade de pequenos negócios mas de enormes interesses comerciais, de países como por exemplo a França, cuja empresa gigante AREVA exporta equipamentos nucleares para todo o mundo, e em seguida arranca suculentos contratos de assistência técnica, reposição de peças, etc. Grandes lobbies internacionais se juntariam aos interesses dos brasileiros mais ávidos de dinheiro e poder. Eles procurariam por todos os meios desqualificar os que se opõem à energia nuclear (como o faz o Presidente Sarkozi, na França, perguntando aos seus concidadãos se preferem voltar à luz das velas...), ou embaralhar a compreensão da questão, à qual não faltam aspectos técnicos extremamente difíceis.
Por outro lado, como seres humanos temos uma enorme capacidade de nos esquecer de tragédias, o que é psicologicamente explicável, para conseguirmos sobreviver à dor. Ou seja, até as emoções mais fortes passam, como já passou todo o medo que tomou conta dos europeus quando a nuvem radioativa produzida pelo acidente de Chernobyl se espalhou pelos céus da Europa. Se a BBC fizesse nova pesquisa entre nós nos dias de hoje, será que o resultado seria tão contundentemente contrário a novas usinas nucleares, já que uma boa parte dos 79% que era contra aceitava que Angra I e II continuassem a funcionar e até que se construísse Angra III?
A desinformação é generalizada. Sabemos muito pouco dos diversos aspectos envolvidos na questão nuclear e sobre todos efeitos da opção nuclear. O resultado de um plebiscito que autorizasse a construção de usinas seria mais desastroso que um acidente que ocorra em uma de nossas usinas – que Deus nos guarde desse pesadelo. Porque a industria nuclear se sentiria legitimada pela vontade popular para implantar usinas nucleares pelo Brasil afora, aumentar a mineração de urânio ao máximo, criar depósitos de lixo atômico, descarregando nos ombros de todos nós a responsabilidade de deixar essa terrível herança aos nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos, e seus descendentes por muito tempo...
Deixando de lado o plebiscito, outros parlamentares (Deputado Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, e Senador Cristovão Buarque, do PDT do Distrito Federal) apresentaram projetos de emenda constitucional (PECs), para os quais já têm o numero regimental de assinaturas em cada uma das Casas, vedando a construção de novas usinas nucleares no Brasil. Há também outras iniciativas parlamentares de cujos detalhes não disponho.
2. A resistência da sociedade
Mas a sociedade civil também vem se movimentando. Ainda no mês de março de 2011, em que ocorreu o desastre do Japão, muitos brasileiros e brasileiras, depois de participarem de iniciativas a nível internacional , começaram a discutir como agir em nosso pais contra a loucura nuclear. Realizaram-se então no dia 15 de abril, concomitantemente no Rio de Janeiro e em São Paulo (por pura coincidência na mesma data), duas reuniões com o objetivo de organizar os interessados em lançar algum tipo de ação.
A reunião de São Paulo, realizada na USP por iniciativa de professores dessa Universidade , resultou na criação de uma “Coalizão contra Usinas Nucleares no Brasil”, voltada especificamente para a luta contra a construção de novas usinas, pelo desmantelamento de Angra I e II e pela interrupção da construção de Angra III. Reunindo pessoas e organizações já engajadas nessa luta, como, entre outras, Greenpeace, a “Coalizão” logo redigiu um Manifesto, apresentado no anexo VI deste texto, que pouco a pouco recebeu mais de 800 assinaturas de adesão.
A reunião no Rio, realizada por iniciativa, entre outras pessoas, de integrantes da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil, resultou na criação de uma “Articulação Antinuclear Brasileira”, que abrangia participantes de todo o Brasil e incluía em seus propósitos, alem da luta contra novas usinas e pelo desmantelamento de Angra I, II e III, a luta contra a mineração de urânio, contra o lixo atômico e contra o transporte de materiais radioativos, e pelo apoio às vitimas do acidente com o césio 137 em Goiânia. A “Articulação” também redigiu seu Manifesto, apresentado no anexo V deste texto, imediatamente assinado pelas 21 pessoas que a criaram, representando suas organizações, e divulgado em maio de 2011 no 1º Festival Internacional de Filmes sobre Energia Nuclear “Urânio em Movi(e)mento”, no Rio de Janeiro; na Semana de Meio Ambiente da UFBA (Salvador-Ba) em 1º de junho, e, em 2 de junho, na Semana de Meio Ambiente de Caetité (Ba).
A “Coalizão” e a “Articulação” logo se entrosaram, realizando reuniões conjuntas mas mantendo sua autonomia, criaram listas de discussão na Internet, dotaram-se de blogs para se comunicar com a sociedade (brasilcontrausinanuclear.com.br e antinuclearbr.blogspot.com).
3. Ações em curso
As ações que estão resultando dessa mobilização e organização são de vários tipos.
3.1. O trabalho de esclarecimento da população.
Dada a absoluta e urgente necessidade de acordar muito mais gente para nos defendermos do que já está caindo sobre nossas cabeças, estão pouco a pouco se multiplicando os instrumentos (textos, folhetos, dossiês, cartazes) sobre os riscos nucleares, a serem difundidos em escolas, sindicatos, igrejas, associações de moradores, rádios comunitárias. Este trabalho, ainda vagoroso, está começando a ganhar ritmo, para o que se espera contar com os efeitos das diversas outras iniciativas. Mas teríamos que chegar rapidamente ao ponto em que se chegou, por exemplo, na cidade de Mielno, na Polônia onde o Governo pretendeu implantar uma usina nuclear: um plebiscito lá realizado no dia 12 de Fevereiro de 2012 contou com a participação de 57% de sua população e 94% desses participantes disseram Não à usina .
Cabe fazer neste aspecto menções especiais à potencialidade de três iniciativas já tomadas no trabalho de esclarecimento e mobilização:
- Caravana organizada entre os dias 28 e 31 de outubro de 2011pelo Movimento Ecosocialista de Pernambuco (que participa da Articulação e da Coalizão) às quatro cidades da beira do São Francisco onde o governo anunciou que construiria centrais nucleares: Belém do São Francisco, Floresta, Itacuruba e Jatobá. No final da caravana, que levou a discussão da questão das usinas a toda a população dessas cidades (ver convite para participar no anexo VII), foi redigida uma “Carta de Itacuruba” (ver no mesmo anexo VII). Um cordel, forma poética tradicional no Nordeste do Brasil, foi composto por um dos participantes. (ver anexo VIII) ;
- disponibilização, para difusão geral, pela ONG Uranium Film Festival (www.uraniumfilmfestival.org), dos 70 filmes que ela já reuniu denunciando o nuclear e que compõem o seu “Arquivo amarelo”; os membros dessa ONG estudam a proposta de equipar uma (ou se possível mais de uma...) kombi, com projetores para circular pelo Brasil afora com filmes sobre o nuclear. Só podemos esperar que surjam muitas pessoas dispostas a apoiar esta iniciativa, que poderia ter uma repercussão decisiva no trabalho de esclarecimento e mobilização;
- oficina realizada em conjunto pela “Articulação” e pela “Coalizão” no Fórum Social Temático Rumo à Rio+20, no dia 26 de janeiro de 2011, que atraiu 50 pessoas que puderam ouvir testemunhos e ter informações sobre o propósito de construir usinas no Brasil, sobre a mineração e sobre o acidente do cesio 137 em Goiânia, alem de poderem assinar a Iniciativa Popular com sugestão de Emenda Constitucional (PEC) vedando a construção de usinas.
3.2. A pressão contra a Garantia Hermes na Alemanha
A já citada pressão para que o parlamento alemão suspenda a Garantia Hermes para a construção de Angra III parece ser a ação mais urgente e mais estratégica a desenvolver. Sem essa Garantia, o negócio deve se tornar menos atraente para a Areva-Siemens (consorcio criado em 2005 substituindo a Siemens-KWU, que constrói Angra 3) e sua suspensão obrigará a que se monte todo um novo esquema financeiro, que poderá atrasar ainda mais a obra e possivelmente inviabilizá-la. E a interrupção de Angra ampliará a discussão sobre usinas nucleares no Brasil.
A ONG ambientalista alemã Urgewald está bastante empenhada nessa pressão, há vários deputados alemães que já estão se posicionando contra a concessão da Garantia, por não concordarem com a moral dupla em que essa concessão se apóia; vários deputados brasileiros enviaram cartas nesse sentido a parlamentares alemães; duas dezenas de organizações brasileiras enviaram uma carta conjunta aos mesmos destinatários com os mesmos objetivos; cinquenta personalidades internacionais, como já citado, movidos pelas mesmas razões éticas entregaram um apelo ao governo alemão para que reveja os critérios de concessão da Garantia, e a ordem dos Advogados do Brasil prepara o envio de uma mensagem aos parlamentares alemães sobre a insegurança jurídica da obra de Angra III, que poderá ser suspensa e até embargada se o Superior Tribunal Federal do Brasil acolher sua Arguição quanto à sua ilegalidade. Alem dessas pressões na Alemanha, Greenpeace fez mobilizações com o mesmo objetivo na Argentina e no Chile
O Parlamento alemão deverá tomar essa decisão na ultima semana de Fevereiro, razão pela qual é extremamente preocupante a viagem que a Presidente Dilma fará aquele pais exatamente nessa data, como já foi dito anteriormente.
3.3. Iniciativa Popular de proposta de PEC
No quadro de uma campanha mais ampla com o titulo “Brasil livre de Usinas Nucleares”, a Coalizão e a Articulação elaboraram uma Iniciativa Popular visando a apresentação, no Congresso Brasileiro, de um projeto de Emenda Constitucional – PEC, vedando a construção de novas usinas no Brasil e determinando o desmonte de Angra I e II e a interrupção da construção de Angra III.
Como se sabe, a Iniciativa Popular é um instrumento de participação dos cidadãos na elaboração legislativa criado pela Constituição de 88, exigindo que o projeto seja subscrito por 1% do eleitorado, o que corresponde hoje a perto de um milhão e meio de assinaturas. Esse instrumento só pode, porem, ser utilizado para a apresentação de projetos de lei, e não de emendas constitucionais. Sabe-se, no entanto, também, que na prática nenhuma Iniciativa Popular tramita como tal, pela impossibilidade material de verificação do número e da validade das assinaturas, sem o que as leis que delas resultem poderiam ser contestadas por vicio de iniciativa. Diante disso, foi adotado, nas três Iniciativas Populares já apresentadas ao Congresso nestes 23 anos, o sistema de transformá-las em Iniciativas Parlamentares, assinadas por parlamentares que mereçam a confiança das organizações que as promovem. Nesse quadro as assinaturas de 1% do eleitorado tem acima de tudo um peso político e não formal.
Ora, isto permite que se promovam Iniciativas Populares de Emenda Constitucional, que se tornam assim “propostas de PEC” a serem assumidas pelos parlamentares que as assinariam se fossem um simples projeto de lei, tendo no entanto que obter o numero mínimo de assinaturas de parlamentares exigido constitucionalmente. Esse é portanto o processo que está sendo usado no caso da Iniciativa Popular proposta pela “Coalizão” e pela “Articulação”.
Trinta organizações assumiram até agora a condição de proponentes e 10 a de apoiadoras da Iniciativa Popular, e as folhas assinadas começam a se acumular. Dada a urgência da iniciativa, que é um instrumento importante para colocar a questão nuclear em debate, no trabalho de esclarecimento da população, não foi possível esperar pela CNBB. Mas ainda está em tempo, já que a cada dois ou tres meses publicamos uma nova edição do formulário de coleta de assinaturas, agregando os nomes daquelas entidades que vão se associando ao esforço. E está em tempo, mais ainda, da CNBB se associar à coleta de assinaturas, repetindo sua experiência com a Lei 9840 e com a Lei da Ficha Limpa. Se me fosse autorizado sonhar, ficaria imaginando a possibilidade dessa decisão ser tomada na próxima Assembleia Geral...
3.4. A comemoração do 1º aniversário do desastre de Fukushima
Uma ONG francesa, país do mundo mais encalacrado na armadilha do nuclear, chamada “Sair do Nuclear” (Sortir du Nucléaire) está promovendo uma “corrente humana” ligando as cidades de Lyon e Avignon, região onde estão muitas das usinas nucleares daquele país, no dia 11 de março de 2012, data em que se comemora o 1º aniversário do desastre de Fukushima. Será um ato de solidariedade aos japoneses e de protesto contra o uso da energia nuclear para produzir energia elétrica.
Essa ONG está convidando pessoas e organizações do mundo todo a fazerem o mesmo em seus paises, nessa mesma data. Em muitos lugares algo está sendo organizado. No Brasil já há atividades desse tipo sendo preparadas pelo menos em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Angra dos Reis, Salvador da Bahia, Caitité (onde se encontra a mina de urânio). Atos em outras cidades se agregarão, todas combinando a atividade com a coleta de assinaturas na Iniciativa Popular.
Ao que parece o Templo Budista de Brasília organizará alguma coisa também nessa data. Fica o convite para que algo se faça na capital federal.
3.5. A constituição de uma Frente Parlamentar e Chernobyl
Está sendo discutida a formação de uma Frente Parlamentar por um Brasil Livre de Usinas Nucleares. Como vários parlamentares escreveram aos seus colegas alemães sobre a concessão da Garantia Hermes, eles já constituem uma base para a formação dessa Frente, que seria fundamental para que se pudesse aprovar no Congresso a PEC que estamos propondo.
Ao mesmo tempo, a ONG suíça “Cruz Verde Internacional”, fundada por Gorbatchev, está estudando a possibilidade de uma comitiva de parlamentares brasileiros integrarem a delegação (com suíços, alemães e franceses) que fará uma visita a Chernobyl de 23 a 27 de abril próximo. Tais visitas tem se revelado decisivas: os que delas participam se convencem da necessidade de abolir definitivamente o uso de usinas nucleares para produzir eletricidade. Foi proposto igualmente que uma representação dos Bispos brasileiros participasse dessa delegação.
3.6. Rio + 20
A realização da Conferência das Nações sobre meio ambiente no Rio em Junho próximo, a chamada Rio+20, será uma oportunidade de ouro para que a sociedade brasileira mostre ao resto do mundo que está decidida a extirpar de nosso território a terrível ameaça dos acidentes nucleares e do lixo atômico. Se tivermos chegado até lá a um número significativo de assinaturas em nossa Iniciativa Popular, caberia dentro dessa Conferência um ato comemorativo importante, ao qual se somariam todos os que, em outros países do mundo, vem lutando pela mesma causa. A constituição nessa ocasião de uma Coalizão Mundial contra Usinas Nucleares, ou por um Mundo Livre de Usinas Nucleares, poderia ser um marco importante da história da humanidade, ou de uma Humanidade que pensa nas gerações futuras.
A guisa de conclusão, eu tomaria a liberdade de dizer, como cristão, que a CNBB não pode se ausentar desse debate. Mais do que isso, deveria contribuir com toda a força que tem para que ele se espalhe por todo o país, imediatamente, antes que seja tarde
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> CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Conselho Episcopal de Pastoral – 5ª Reunião
Brasília - DF, 14 a 16 de fevereiro de 2012
Texto de apresentação da questão nuclear ao CONSEP - Conselho Episcopal Pastoral, da CNBB
Porque é importante discutir, no Brasil, a questão nuclear?
Chico Whitaker, fevereiro de 2012
I. O Quadro mundial
1. O desastre de Fukushima
A questão nuclear foi colocada de forma dramática em todo o mundo pelo desastre ocorrido na usina nuclear de Fukushima, Japão, em 11 de março de 2011.
Nesse dia o mundo foi sacudido pela noticia da tragédia que se abateu sobre o Japão, com um terremoto de 8,9 graus, um dos maiores de que temos conhecimento . Com epicentro a 130 km da sua costa leste, ele provocou em seguida um maremoto (tsunami) com ondas de mais de 10 metros de altura, que invadiram mais de 10 km de terra. Houve milhares de mortos e uma enorme destruição .
A essa tragédia se somou outra: um dique de 5,7 metros de altura que protegia reatores atômicos para produção de energia elétrica, na cidade de Fukushima, não resistiu a uma onda de 14 metros, e os reatores sofreram avarias, com a danificação dos seus sistemas de refrigeração que fez os reatores fundirem e ocasionaram explosões. A gravidade dessa segunda tragédia vai mais longe do que a das mortes provocadas pelo desastre natural, que enlutou milhares de famílias. Os equipamentos coletivos, casas e edifícios que ele destruiu podem ser reconstruídos e as perdas em bens podem ser indenizadas; enquanto a explosão de uma usina nuclear, alem das mortes imediatas que pode provocar, tem efeitos de médio e longo prazo, pela contaminação radioativa da terra, do ar, da água, das plantas e das pessoas, que ameaçará mais de uma geração com doenças como o câncer e provocará malformações nos que vierem a nascer, durante muitos anos . A dispersão de elementos radiativos provocada pela explosão de reatores e pelos vazamentos de água que os refrigera obrigou as autoridades a evacuar 3 mil moradores num raio de 3 km e logo em seguida 45.000 num raio de 10 km, depois aumentado para 20 km.
E até hoje todo o Japão se sente ameaçado pelos efeitos desse chamado “acidente nuclear”. Segundo o governo japonês os problemas hoje estão sendo resolvidos, mas ele é contestado pelos que dizem que “a declaração do governo se baseia em uma suposição. Não existe base científica e factual para comprovar que a situação está sob controle”.
O desastre ocorrido no Japão como que despertou o mundo para a questão nuclear. Foi como se Deus nos tivesse enviado um recado a nós, pobres seres humanos: cuidado com a tentação de se considerarem deuses...
A emoção reavivou a memória de outra tragédia, ocorrida há vinte e cinco anos, em 26 de abril de 1986, em Chernobyl, na então União Soviética. Se no Japão, pais dispondo de alta tecnologia, a natureza se encarregou de fazer surgir um imprevisto de rara magnitude, com o terremoto e o maremoto, na União Soviética o desastre foi devido a erros humanos. Os números são sempre impressionantes. O acidente teve 400 vezes mais radiação que a bomba atômica de Hiroshima, produzindo uma imensa nuvem de radioatividade que contaminou pessoas, animais e o meio ambiente de uma vasta região e atingiu, além da União Soviética, a Europa Oriental, a Escandinávia e a Grã Bretanha. 5 milhões de hectares de terra foram inutilizados. Foram evacuadas e reassentadas 200 mil pessoas . Um relatório da ONU de 2005 falava em somente 56 mortes até aquela data (e por isso mesmo esse relatório é contestado por Greenpeace) mas estimava que cerca de 4.000 pessoas morreriam por doenças provocadas pelo acidente . “E a explosão de hidrogênio e combustão da grafita usada para moderar aquele reator produziram uma nuvem que carregou produtos de fissão altamente ativos como o Césio-137 e o Estrôncio-90, para boa parte da Europa . Alguns desses produtos ainda são encontrados nos solos e contaminam alimentos na Ucrânia e na Bielorússia” .
A usina propriamente dita de Chernobyl foi então coberta por um enorme sarcófago de concreto e aço, que há pouco no entanto começou a vazar radioatividade. O novo sarcófago que se tornou necessário custará 740 milhões de euros (em torno de um bilhão de dólares), dos quais o governo da Ucrânia só conseguiu arrecadar 580 milhões, fazendo com que o tema tenha se tornado objeto da pauta das reuniões do G20, sem que se saiba ainda que solução será dada...
2. Segurança e custos
Escondidos no entanto por esses acidentes mais recentes e mais “tragicamente espetaculares”, por assim dizer, uma longa lista de acidentes vinham ocorrendo ao longo dos últimos 60 anos, desde que usinas nucleares começaram a ser implantadas nos países do mundo que contavam com recursos suficientes para fazê-lo (ver lista de 33 acidentes no anexo III). Nem todos foram noticiados com a mesma intensidade, uma vez que o conhecimento deles tende a apavorar a população. Por isso mesmo tenta-se minimizá-los quando ocorrem , e não se insiste em continuar falando deles ... É bom lembrar que o acidente de Chernobyl só foi anunciado quando foi detectada radioatividade fora da União Soviética... Segundo o professor Joaquim Francisco de Carvalho , a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recebe cerca de 10 a 15 notificações por ano .
O fato portanto é que essas aventuras tecnológicas não se mostram seguras . Causados pela natureza ou por erros humanos, que podem ocorrer até em países que dispõem de alta tecnologia... , esses acidentes vem determinando um aumento dos cuidados que devem ser tomados e da discussão sobre a possibilidade efetiva de evitar acidentes - uma vez que a explosão de um reator pode ter efeitos equivalentes ou muito maiores do que uma bomba atômica, quanto à dispersão de radioatividade. Essa questão da segurança passou assim a ser a grande preocupação – e única de fato, como se todo o problema fosse simplesmente esse.
O aumento dos cuidados automaticamente exigiu um aumento nos gastos para instalar e operar os reatores, o que coloca em questão também sua validade quanto aos custos da energia elétrica produzida por essa forma extremamente perigosa “de esquentar água para produzir o vapor que fará girar as turbinas que irão gerar energia elétrica”, como dizem os cientistas ... O Tribunal de Contas da França, em relatório solicitado pelo governo, concluiu que o investimento para manter ativas as usinas nucleares francesas será duas vezes maior entre 2011 e 2020 , em razão das medidas impostas pela Agência de Segurança Nuclear (ASN) à companhia EDF após o acidente em Fukushima .
Mas se os custos dessa prevenção terão que ser embutidos nos preços que pagaremos pela energia, tendendo a torná-la inviável, onde serão contabilizados os gastos com os desastres que ocorram? Quem os paga são os governos – ou seja, nós mesmos, através de nossos impostos. Serão eles deduzidos dos lucros das empresas que produzem energia e devolvidos aos cidadãos, tornando ainda mais inviável a aventura nuclear?
Quaisquer que sejam no entanto esses cuidados custosos, os cientistas não envolvidos com os interesses da industria nuclear não veem possibilidade efetiva de evitar acidentes e se mostram cada vez mais incisivos em negar a segurança dos reatores. O físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, declarou taxativamente , em entrevista ao jornal Metro Campinas: “Não há reatores totalmente seguros. É ilusão pensar isso”. Para o Professor da Universidade Federal de Pernambuco Heitor Scalambrini Costa, em palestra no Fórum Social Temático realizado em fim de janeiro de 2012 em Porto Alegre, não existe a possibilidade de risco zero na produção da energia nuclear . Para o Professor Joaquim Francisco de Carvalho do Instituto de Eletrotécnica e Eletricidade da USP, “Não existe máquina infalível nem obra de engenharia 100% segura” . Sabemos todos que os seres humanos não são capazes de tudo prever...
3. Repercussões políticas
Face a esses dados, é importante relembrar o que aconteceu depois de um dos acidentes nucleares mais conhecidos, o de Three Miles Island , nos Estados Unidos em março de 1979 – citado com Chernobyl e Fukushima como um dos três maiores conhecidos até agora. Esse acidente levou o governo norte-americano a abandonar seu programa de construção de novas usinas naquele país; a partir de 1979 ele decidiu cuidar somente da operação e segurança das 104 existentes. Mas esse exemplo infelizmente não foi seguido.
Somente agora, com a questão da segurança tornada ainda mais evidente pelo desastre de Fukushima, estão sendo tomadas decisões políticas contrárias a usinas nucleares, em muitos países. Na Alemanha, a pressão social levou o governo a suspender seu programa de construção de usinas nucleares e desativar as usinas existentes, todas devendo estar completamente paradas em 2021. A empresa alemã Siemens decidiu desativar seu setor nuclear. Na França, que é quase inteiramente dependente dessa forma de geração de energia , mergulhou-se numa grande discussão nacional sobre a necessidade e a possibilidade de “sair do nuclear”. Um plebiscito na Itália praticamente proibiu seu governo de pensar em implantar usinas naquele pais. A Bélgica e a Suíça estão fixando prazos para desativar suas usinas nucleares.
Apenas cinco dos 32 países que hoje mantém usinas – China, Índia, Japão, Coréia do Sul e Rússia – têm planos de criar ou aumentar suas instalações nucleares a longo prazo, segundo uma organização internacional ligada à industria nuclear (Nuclear engeneering), sem se referir ao Brasil . E as mesmas fontes informam que a Turquia, que tinha planos de construir sua primeira usina nuclear, abandonou esse projeto “pelos menos para os próximos 10 ou 20 anos”, segundo declarou seu primeiro ministro em 25 de julho de 2011.
Mas infelizmente, no entanto – e essa é a grande questão não discutida - a segurança dessas “bombas atômicas dormentes” que existem em tantos países é apenas parte do problema. E uma parte pequena do problema.
Duas outras ameaças muito mais violentas acompanham necessariamente a instalação e operação de usinas nucleares para produzir eletricidade. De ambas pouco se fala ou se evita falar. A primeira é o fato da construção e operação de usinas constituírem o passo decisivo para que se possa construir bombas atômicas. Tem-se receio de abordar essa ameaça, imersa que ela está na questão da segurança dos países, como se fosse uma temeridade entrar no campo dos segredos militares. A segunda é muito mais grave do que hipóteses de guerra atômica ou de disparo acidental de ogivas nucleares, exatamente porque ela já está se concretizando e se agravando à medida em que o tempo passa: a ameaça do “lixo atômico”, que não somente já está colocando em risco nossas vidas mas também a de muitíssimas gerações que nos sucederão no planeta Terra.
4. O risco da bomba
O risco da bomba é o risco da proliferação de armas atômicas. Todos nos lembramos do horror das bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Elas mataram imediatamente 140.000 pessoas na primeira dessas cidades e 80.000 na segunda, sem contar os que morreram posteriormente, vitimas das radiações. E as duas cidades foram arrasadas. Difícil pensar que hoje em dia algum governante de algum país possa decidir usar novamente essa arma para se impor pela força e pelo terror. Mas dispor de ogivas nucleares é assunto de predileção dos militares que almejam dissuadir outros países a usá-las contra seu país. Hoje há pelo mundo afora um grande número de ogivas nucleares esperando o momento de serem utilizadas, a partir de bases fixas ou moveis, como os submarinos atômicos. Ou de serem disparadas por engano, até com armas como o míssil norte-americano MX, ou Peacekeeper (Mantenedor da paz), desenhado para lançar 21 ogivas de 10 megatons cada uma para alvos separados a mais de 8 mil quilômetros...
Ora, por mais que se negue que os programas de construção de reatores para produção de energia elétrica tenham objetivos militares , o tratamento do urânio que os reatores nucleares exigem e o plutônio que dele resulta está a um passo da tecnologia necessária para a fabricação de bombas atômicas . Por isso, os que lutam contra essa proliferação acompanham unanimemente a denúncia feita pela “Fundação pela Paz na Era Nuclear”, dos Estados Unidos, em documento elaborado em solidariedade às vitimas de Fukushima:
"(...) programas de energia nuclear usam e criam materiais físseis que podem ser usados para fazer armas nucleares e assim, fornecem um caminho comprovado para a proliferação de armas nucleares. Vários países já usaram programas nucleares civis para fornecer materiais físseis para fazer armas nucleares. Outros países, particularmente aqueles que contam com instalações de reprocessamento de plutônio e de enriquecimento de urânio, poderiam facilmente fazê-lo se o decidirem. A propagação das centrais nucleares não só tornará o mundo mais perigoso, mas tornará mais difícil, se não impossível, a meta de um mundo livre de armas nucleares."
É dentro dessa perspectiva que se calcula que hoje em dia já tenham sua bomba ou estejam em condições de produzi-la a curto prazo, alem dos Estados Unidos, França, Rússia, e China, cerca de vinte outros países, entre eles África do Sul, Argentina, Brasil, as duas Coréias, Taiwan, Irã, Iraque, Israel, Líbia e Paquistão.
5. O Lixo atômico
A ameaça do “lixo atômico” é no entanto muito mais concreta e imediata. Ela é extremamente grave porque está incluída na rotina do funcionamento das usinas e por isso tornou-se aceitável como algo “natural”, de que não se pode escapar.
Esse “lixo” compreende tanto os equipamentos e instrumentos de trabalho usados na operação dos reatores como os resíduos do uso do combustível com o qual eles funcionam, as chamadas “cinzas da combustão de urânio” e os produtos de sua fissão . Os raios emitidos por essas substâncias são extremamente nocivos à saúde, porque possuem um grande poder de penetração, invadindo as células do organismo e podendo levá-lo à morte.
O grau de radioatividade pode ser baixo, médio ou alto. Com isso o lixo é classificado em diversas categorias. Os primeiros (LLW, de “low level waste” em inglês), mantém sua radioatividade durante “somente” 300 anos; os últimos (HLW, de “high level waste”) exigem, para perdê-la, milhares e até milhões de anos. Entre estes está por exemplo o plutonio 239, cuja “meia vida”, isto é, o tempo necessário para perder a metade de sua irradiação, é de 24.000 anos, ou o cesio 135, que perderá essa metade em 2,3 milhões de anos, ou ainda o iodo 129, que exigirá 16 milhões de anos para essa sua “meia vida”...
O documentário dinamarquês “rumo à eternidade” (“Into Eternity”), sobre a construção de um depósito de lixo atômico altamente radioativo em Onkalo, na Finlândia, começa dizendo que a humanidade tem 50.000 anos, as pirâmides do Egito 5.000 anos, e o lixo atômico tem que ser guardado 100.000 anos...
O lixo de radioatividade de vida curta, a ser portanto guardado à distância dos seres humanos “somente” durante 300 anos, correspondem a aproximadamente 90% de todo o lixo que se acumula. Podem ser compactados e acondicionados em tambores lacrados, como os que vemos nas fotos de Angra dos Reis, aqui no Brasil . O de vida radioativa média (ILW, de “intermediate” em inglês), que corresponde a aproximadamente 9% do lixo, já exige tratamentos para resfriamento, filtragens, diminuição de seu volume, etc, operações de alto custo e igualmente perigosas, antes de ser enterrado em poços profundos especialmente construídos. Já o de longa vida radioativa, em torno de 0,5%, como o conteúdo das famosas varetas de urânio que são colocadas no coração dos reatores, tem que ser, depois de vários tratamentos, envolvidos por vidro derretido, a ser enterrado em poços ainda mais profundos, debaixo de granito ou de pedras de sal .
Pode-se imaginar quantas vezes o território francês é cruzado, sem que a população saiba dos perigos que estão se movendo ali ao seu lado, com comboios de trens e caminhões levando de um lado para outro as 1200 toneladas de lixo que seus 58 reatores produzem a cada ano; chegando hoje já a mais de 50.000 toneladas, que tem que ser tratadas e estocadas de diferentes maneiras, segundo sua periculosidade, ao abrigo de terremotos e quedas de avião...
O grande escândalo é que as usinas existentes continuam ininterruptamente a produzir o lixo, que se acumula, enquanto os tecnocratas de plantão dele pouco falam e continuam a discutir o preço da energia produzida nessas usinas, sua posição na matriz energética, suas vantagens e desvantagens, suas condições de segurança. E os governos dele falam menos ainda, reagindo somente quando ocorre algum desastre nas usinas. Radioatividade não é problema deles, como pode atestar a Associação das Vitimas do Cesio de Goiânia, o mais grave episódio de contaminação por radioatividade ocorrido no Brasil, em 1986.
6. E os reatores para usos científicos e medicinais?
O dramático para todos nós é que o desafio colocado pelo lixo atômico leva de roldão toda a defesa que possa ser feita do chamado uso pacifico da energia atômica: construção e operação de reatores para a pesquisa científica e para a produção de substâncias radioativas uteis na medicina. Todos eles carregam consigo, pela produção automática de lixo atômico, a maldição da herança que os reatores deixam para as futuras gerações, qualquer seja o seu tipo e a sua finalidade – até mesmo aqueles que se destinariam “simplesmente” à propulsão de submarinos durante um longo período de tempo. Assim também as substâncias radioativas de uso medicinal criam de imediato enormes riscos ali mesmo onde são utilizados.
Um exemplo desse risco imediato foi o do já citado acidente com o césio 137 em Goiânia, no Brasil . Pouco mais de um ano depois do acidente ocorrido em Chernobyl, em 13 de setembro 1987, a irresponsabilidade dos proprietários de uma clinica de radioterapia em Goiânia os fez abandonar, no edifício do qual saíram, um aparelho contendo uma cápsula de menos de 100 gramas que continha 19 gramas de cesio 137, altamente radioativo . Pouco menos de um mês depois do alerta que foi dado 16 dias depois da capsula ter sido desmontada, faleceram suas primeiras quatro vitimas . A essas mortes se seguiram 60 outras, entre as quais a de funcionarios que realizaram a limpeza dos locais. O Ministério Público reconheceu 628 vitimas contaminadas diretamente, e a Associação de Vitimas do Césio 137 estima que mais de 6 mil pessoas foram atingidas pela radiação.
O lixo atômico nesse acidente, produzido por apenas 19 gramas de césio 137, foi de 13.500 toneladas, colocado em 14 containers lacrados contendo 1.200 caixas e 2.900 tambores, que deverão permanecer por pelo menos 180 anos debaixo de uma montanha artificial no município de Abadia de Goiás, ao lado de Goiânia, dentro de um receptáculo com paredes de um metro de espessura de concreto e chumbo.
Haverá pesquisa em andamento para não precisarmos de reatores para produzir materiais de uso medicinal, já que todo reator carrega consigo essa ameaça do lixo? O que fazer, até lá, com o lixo atômico proveniente de hospitais e clínicas, se é que estamos a salvo de outros acidentes como o de Goiânia, em que a irresponsabilidade se juntou ao desconhecimento do perigo que se esconde em aparelhos que manipulamos com a melhor das intenções?
7. O problema da mineração do urânio
Para complicar anda mais todo esse quadro, temos que considerar que os riscos começam antes: com a mineração do urânio. O urânio encontrado na natureza é o U238. Com o processo de seu enriquecimento, dele se extrai o U235 que, depois de sintetizado com oxigênio, é encapsulado para ser comercializado e usado sob a forma de pastilhas. Esse urânio enriquecido e encapsulado é o combustível usado dentro dos reatores.
No Brasil há uma mina de exploração do urânio, em Caitité, onde os problemas gerados na população alertaram algumas organizações da sociedade civil . A mina começou a funcionar em 2000. Desde então não para de crescer a incidência de câncer na população.
Segundo relatou Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA), no Fórum Social Temático de Janeiro de 2012 em Porto Alegre, “tudo começa com a explosão de dinamite na rocha, que gera o gás radônio , que não tem cheiro nem cor e vai ser inalado pelas pessoas, que nem sabem que isso está acontecendo. Este gás contamina a água, o solo, os produtos agrícolas, os animais, as pessoas. Ninguém sabe a extensão das contaminações na bacia hidrográfica abaixo. Até a água que a população bebia foi considerada contaminada”. E completa: “Desde sempre soubemos que é melhor deixar o urânio embaixo da terra”. A proposta dessa organização não podia ser outra senão a de que essa mina seja desativada, assim como todo o programa nuclear brasileiro. E que o governo implante um programa de atendimento da população atingida pelos vários efeitos da radioatividade .
Mas minério é fonte de divisas... Seu comércio pode ser extremamente rentável, especialmente se as usinas nucleares se multiplicarem pelo mundo... Estima-se que o Brasil tem a fortuna de 309.000 toneladas de minério de urânio ainda escondidas debaixo da terra. Há uma grande questão ética na busca de resultados econômicos e financeiros através de atividades que são prejudiciais aos seres humanos... Mas em que sistema vivemos, e em que lógica estão imersos nosso comercio internacional e nossa política de governo?
8. Conclusões preliminares
Talvez seja a junção de todas essas perspectivas – dos acidentes, da proliferação das armas atômicas, da mineração, do lixo atômico - que levou um monge budista de Hokkaido, no Japão, a afirmar, em entrevista dada em janeiro de 2012 em Porto Alegre, durante o Fórum Social Temático em preparação da Rio+20 (ver anexo I) que “existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”.
Sem nenhuma dúvida, estamos diante de um espantoso e terrível brinquedo de aprendiz de feiticeiro que é a manipulação do átomo, pretendendo domesticá-lo para dele retirar a energia que Deus inventou. Há muitos cientistas, tecnocratas, funcionarios de governo, militares e empresários que, pelo mundo afora, com diferentes objetivos, minimizam levianamente os reais riscos do uso da energia nuclear e sobre-estimam sua capacidade técnica, organizativa e financeira de os evitar. Com isso eles estão abrindo um enorme flanco de fragilidade para a continuidade da espécie humana, mais alem de todas as ameaças que hoje são denunciadas pelos que se preocupam com o meio ambiente. Desastres naturais, falhas de projeto, erros humanos, megalo-ambições e até ações enlouquecidas de terrorismo atingindo centrais nucleares, estações de tratamento de resíduos, minas de urânio, depósitos de resíduos e veículos de transporte de lixo atômico podem causar, a qualquer momento em nossos mais próximos entornos, catástrofes com trágicas repercussões.
Além disso, como já vimos, a própria atividade nuclear “normal” gera consequências de longuíssimo prazo. O mínimo que se pode dizer é que estamos diante de um autêntico filme de horrores. E o mínimo que uma sociedade consciente teria que fazer seria exigir que todos os reatores parassem até que se resolva o problema do lixo nuclear.
Mas onde se esconde a ética em nossos países, ditos desenvolvidos, em desenvolvimento ou “emergentes”?
II – O quadro no Brasil
1. “Nossa bomba” e nossos submarinos atômicos
A opção nuclear começou mal no Brasil. A decisão foi tomada durante o regime militar imposto ao país em 1964, com o general Costa e Silva criando, em 1967, o Programa Nuclear Brasileiro. A construção de Angra I começou em 1971, durante o governo do general Garrastazu Medici. Numerosas fontes afirmam que a decisão tinha por objetivo chegar à “bomba atômica brasileira”. Era o projeto do Brasil Grande.
É evidente que em nenhum momento o governo brasileiro assumiu publicamente que estivesse interessado em qualquer tecnologia bélica como a da bomba atômica . Mas vários detalhes vieram à tona, revelando a existência de um Programa Paralelo, com um objetivo bem claro: a bomba. Segundo o Acordo do Brasil com a Alemanha para a construção de Angra II e Angra III, a Alemanha cederia ao Brasil a tecnologia da construção da central nuclear, bem como o método de enriquecimento do urânio, um processo de altíssimo nível tecnológico, e ponto chave do ciclo nuclear que chega até a bomba .
Muitos laboratórios foram montados, equipamentos comprados, milhares de pessoas treinadas. Mas o processo de enriquecimento dos alemães era muito complexo e inviável para os fins que o Brasil desejava. O Acordo perdeu com isso quase que a metade de suas vantagens. Foi quando entrou o Programa Paralelo: criou-se o Centro Experimental Aramar, em Iperó, no interior do Estado de São Paulo, um complexo de pesquisa para desenvolver e controlar o processo de enriquecimento do urânio por ultracentrifugação, absolutamente clandestino e sem fiscalização internacional, mas com os três ramos das Forças Armadas brasileiras bem articulados .
Aramar continua a existir com limitados recursos financeiros encaminhados pela Marinha. Aparentemente, toda a busca por poderio bélico foi cessada, com o fim do governo militar. Ainda assim, aparentemente... E recentemente o vice-presidente da Republica, Michel Temer, fez uma visita a esse Centro de Pesquisa da Marinha, acompanhado de alguns deputados, da qual saiu bastante impressionado com o alto nível tecnológico encontrado, segundo os jornais...
Mas o interesse nuclear dos militares não se restringe a essa eventual busca da “bomba atômica” brasileira. Eles declaram outro objetivo dito de defesa nacional: construir um submarino impulsionado por um reator nuclear, que lhe dará mais tempo de imersão. Tal arma não serviria para carregar ogivas mas para proteger nossa reservas de petróleo no pré-sal, comandando o conjunto de seis submarinos normais já comprados da França... Na defesa desse programa juntam-se todos os argumentos possíveis . E quando o governo lança um programa de construção não de somente um mas de quatro submarinos, “fazendo o Brasil ingressar no seleto grupo de nações detentoras de uma das mais avançadas tecnologias militares”, não estão faltando os alertas quanto ao desequilíbrio das relações de poder dentro da América Latina .
2. Os reatores para produção de energia elétrica
A entrada do Brasil na construção de reatores destinados à produção de energia elétrica, escondida atrás da porta constrangedora da Bomba, é pelo menos vergonhosa para nós brasileiros.
Segundo o relato feito pelo Museu da Corrupção, mantido na Internet pelo Diário do Comércio, Angra I “foi resultado de um ambicioso programa nuclear durante a ditadura militar com a compra de equipamento duvidoso da americana Westinghouse, acusada de subornar o ditador Ferdinand Marcos das Filipinas” . Para lhe vender usinas...
A má qualidade do equipamento levou a que quebrasse 22 vezes provocando alguns acidentes, e Angra I entrou em operação somente em 1983. Ele jaz hoje na praia de Itaorna, ao lado de Angra 2, quase sempre desligado. Os físicos José Goldemberg e Luiz Pinguelli Rosa não poupam criticas, até com uma dose de humor: “É um PWR-Westinghouse, uma espécie de Fusca 1967, comprado nos Estados Unidos naquele ano. Seu apelido é vaga-lume. Quando está ligado, gera 650 megawatts. Mas como o nome indica, vive piscando. Mais apagado que aceso. Tem um dos mais baixos índices de eficiência do mundo”.
Já Angra II, que entrou em operação em 2.000, resultou do Acordo de Cooperação Nuclear firmado com a Alemanha em 1974 (que incluía a experimentação com o enriquecimento de urânio), em que se abandonou a tecnologia da Westinghouse e se previu o uso de tecnologia da Siemens. Esta hoje se retirou do mercado do nuclear mas já vendeu ao Brasil todo o equipamento de Angra III, que se encontra estocado à espera da conclusão das obras civis. A Siemens foi substituída em Angra III pela sua sócia, a empresa francesa AREVA, que se encarregará de completar a construção dessa usina.
Mas no programa nuclear de Angra o que se vê são atrasos, multas, juros e erros, desde as fundações mal calculadas de Itaorna (que se sabe que quer dizer, na língua indígena, terra podre). Segundo Goldemberg e Pinguelli Rosa, quando se discutia sobre a necessidade de concluir Angra 2, essa usina é um desses casos além do ponto de não-retorno. Desistir significa assumir um prejuízo maior do que o necessário para concluir. Para eles, era um desperdício monstruoso de dinheiro, mas concluir Angra 2 teria alguma racionalidade (desde que se quisesse manter o programa nuclear brasileiro...). Já para Angra 3, o raciocino não serviria. A Eletrobrás pretende construí-la no mesmo solo, sob o argumento de que 40% dos equipamentos já foram comprados. Mas, segundo esses mesmos físicos, ela não tem justificativa energética.
Ora, com todos os riscos criados pelas usinas nucleares, alem de seu alto custo (10 bilhões de dólares só em Angra III, sem contar os acréscimos que serão exigidos por força de novas medidas de segurança que passaram a ser exigidas depois do desastre de Fukushima) essas três usinas deverão responder por pouco mais do que 1% da energia elétrica disponível no Brasil. Porque então insistir na geração de energia elétrica através de reatores nucleares, se é que não se tem, como se afirma, o propósito de pretender “dominar o ciclo do combustível nuclear” para fins militares? E quando questões tecnológicas importantes, como a do lixo radioativo, permanecem abertas, sem solução, tanto no Brasil como no mundo? Porque continuar a discutir “perfumarias” técnicas, diante dos problemas criados pelo nuclear, que exigem muito mais seriedade política?
3. A necessidade de energia vinda de reatores nucleares
O argumento fundamental para construir muitas novas usinas nucleares no Brasil é o da necessidade absoluta de se dispor de uma quantidade crescente de energia elétrica para assegurar a continuidade do crescimento econômico do Brasil, lançando mão de todas as possibilidades existentes, para não ser surpreendido pela insuficiência na oferta ou por apagões desastrosos e os prejuízos que os acompanham. E dentro da tradicional prepotência tecnocrática, o governo agregaria, aos 86,4% da energia elétrica gerada no país pelas usinas hidráulicas e aos 12,4% gerados pelas usinas térmicas, a que fosse gerada por reatores nucleares, considerada a mais limpa (não emite gás carbônico) e a mais barata (será mesmo?) que as demais formas de obter energia elétrica, o que compensaria suas desvantagens. Feitos os cálculos e dispondo-se dos bilhões necessários para isso, poderia ser alcançada uma porcentagem de energia produzida por reatores atômicos muito maior do que o 1,2% atual, seguindo o (mau) exemplo da França que hoje atende a 77% de suas necessidades em energia elétrica com reatores nucleares. Nada portanto de novo.
A raiz da necessidade de cada vez mais energia elétrica é portanto o modelo de desenvolvimento que o Brasil adotou, reduzido a crescimento econômico ou, na melhor das hipóteses, crescimento com distribuição de (não da) renda, para que os shopping centers ganhem cada vez mais fregueses. Modelo esse que provoca hoje em dia em nosso país uma onda de ufanismo, no orgulho de ter conseguido passar ao largo da crise mundial (até agora) e ter se tornado a 6ª economia mundial, ultrapassando a Inglaterra.
Nesse quadro se sente livre a cada vez mais febril atividade das empresas brasileiras que terão lucros fabulosos com esse crescimento, o suficiente para financiar campanhas eleitorais com largueza. E que por isso estão há tempos pressionando cada vez mais o governo para que este contrate grandes obras de todos os tipos, como as grandes barragens – veja-se Belo Monte -, atividades de mineração (incluindo a de urânio), extensíssimas linhas de transmissão de energia elétrica, grandes e modernos portos para a exportação, novas ferrovias e estradas que nos liguem também ao Oceano Pacifico ainda que suas enormes máquinas tenham que invadir terras estrangeiras.
Dentro dessa onda que esmaga tudo à sua frente, por mais que setores sociais assustados com a grandeza de nosso futuro queiram reclamar, as atividades ligadas ao nuclear encontram também a euforia, para satisfação igualmente dos militares, para a construção de Angra III e novas usinas, submarinos atômicos e portos mais do que vigiados em que eles possam se reabastecer de combustível nuclear.
Centenas ou mesmo milhares de pessoas se somarão as que já são empregadas pela indústria nuclear, para produzir e vender equipamentos e matérias primas dentro e fora do Brasil. O poderio financeiro dessa indústria será capaz de construir em torno de si, pelos grandes meios de comunicação de massa, uma aura de progresso e modernidade da qual todos desejarão participar, exacerbando as necessidades insaciáveis de consumo criadas pelo sistema. A ganância abrirá ainda mais caminhos para a corrupção: grandes somas significam também grandes lucros e grandes “comissões”. Tudo isso ainda que em detrimento da segurança dos reatores que aqui sejam construídos, como vem se constatando que aconteceu no Japão vitimado pelo desastre de Fukushima. E o ambiente de negócios do Brasil se tornará entusiasmante – “agora sim, vamos “- empurrado pela sofreguidão de cada vez mais brasileiros que buscam entrar no ranking dos homens mais ricos do mundo, ainda que a custo de uma escandalosa concentração da renda e da manutenção de uma grande parte de nossos concidadãos em níveis de miséria, até que as migalhas caídas das mesas dos ricos cheguem a eles...
4. A desconcertante atitude do governo depois de Fukushima
Na verdade, só a pressão de um ambiente deste tipo explicaria a quase insensibilidade de nosso governo diante da tragédia do Japão e de todos os alertas que ela levantou. Estaria ressurgindo nas cabeças de nossos dirigentes políticos o sonho da Pátria Grande, do tempo dos militares, que ousavam inclusive pretender participar da corrida armamentista mundial que poderá, pelo uso de bombas atômicas, fazer o planeta Terra desaparecer?
Pesquisa feita pela BBC em todo o mundo depois de Fukushima revelou que 79% dos brasileiros eram contra a construção de novas usinas nucleares em nosso país. Mas nosso governo não se comoveu como nossos cidadãos. Ao contrário, segue alegremente dando continuidade a planos mirabolantes de energia nuclear, e não será este ou aquele funcionário mais consciente que irá parar essa máquina. “Nossos políticos não têm mostrado sensibilidade para rever posições equivocadas em relação ao nuclear”, afirmam os professores Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho, do Instituto de Eletrotecnica e Eletricidade da USP . “No dia seguinte ao acidente de Fukushima, o Ministro de Minas e Energia declarou que “as usinas de Angra são 100% seguras e o plano de construir outras não será revisto””. Segundo um assessor da presidência da Eletronuclear, responsável pela operação das centrais nucleares brasileiras, Angra III já tinha em seu projeto, mesmo antes do acidente no Japão, um sistema de segurança mais avançado do que o das usinas Angra 1 e 2 .
O governo, entretanto foi ainda mais longe apresentando o plano de construção de novas usinas à beira do Rio S. Francisco como de “salvação do Nordeste”... E na mesma linha de orientação o BNDES liberou, no fim de outubro de 2011, 308 milhões de reais para dar continuidade à construção de uma terceira usina em Angra dos Reis, enquanto a Eletronuclear anunciava que pretende investir 1,4 bilhão de reais nessa usina até o fim de 2012... Tudo isso sabendo-se que, como escreveram os Professores Joaquim Francisco de Carvalho e Ildo Sauer no jornal Valor de 13 de maio de 2011: Angra está perto dos centros mais densamente povoados e industrializados do Brasil. Um acidente nuclear ali provocaria perdas humanas e paralisaria grande parte da economia, como está acontecendo no Japão pós-Fukushima. Não precisamos correr esse risco.
Se essa é a orientação do governo quanto à construção de novas usinas, o que se pode esperar dele quanto ao terrível problema do lixo atômico? Os tecnocratas de plantão já estão ostentando sua total inconsciência desse desafio que está colocado para toda a humanidade. Com toda a candura um deles explica que uma das alternativas para resolver o impasse sobre o local onde depósitos de lixo devem ser construídos é a criação de uma espécie de “royalty inverso”, sistema em que os municípios receberiam dinheiro não pela extração de um recurso mineral mas para guardar o lixo radioativo. E completa: Não é um problema técnico, mas sim político. Na Coréia, por exemplo, o governo abre uma concorrência invertida. As cidades disputam para receber o depósito por conta das compensações financeiras. É, aliás, o que já começou a acontecer aqui no Brasil depois que o governo abriu uma primeira licitação para a escolha do lugar onde depositar o lixo atômico...
É triste, assim, ter de cogitar algo ainda pior: que a Presidente do Brasil, fiel a essa orientação, escandalize alemães, brasileiros e organizações mundiais durante sua visita à Alemanha programada para o fim do mês de fevereiro, levando aos parlamentares daquele país, que nesse mesmo fim de mês decidirão sobre a continuidade da Garantia Hermes à construção de Angra III, a mensagem de que ela é favorável a essa continuidade, porque quer terminar a construção de mais essa usina nuclear no Brasil. E porque não prosseguir, em seguida, inteiramente na contra-mão das tendências de hoje no mundo, o programa das demais usinas programadas no Brasil, com mais Garantias Hermes para a alegria do consorcio Areva-Siemens?
Antigas organizações ambientalistas da sociedade civil alemã, como Urgewald - que assume por solidariedade conosco uma luta que deveria ser nossa - assim como parlamentares alemães de diferentes partidos, estão empenhados numa intensa ação contra essa continuidade, inclusive com manifestações públicas em Berlim, porque ela será um flagrante exercício de uma moral dupla pelo governo de seu próprio pais: fechar as usinas nucleares da Alemanha, por serem prejudiciais aos seus cidadãos, mas ajudar a que se construam usinas nucleares em outros países.
Nesse mesmo sentido, denunciando o escândalo dessa moral dupla, cinquenta personalidades de muitos países, entre os quais muitos detentores do Premio Nobel Alternativo, acabam de entregar ao governo e ao parlamento alemão um apelo instando-os a não aprovar a continuidade da Garantia .
Mas qual é a lógica de nossas decisões políticas? Se eventualmente um dia decidirmos parar com a energia nuclear, continuaremos a exportar minério de urânio para os demais países que queiram comprá-lo?
5. Alternativas às centrais nucleares para aumentar a produção de energia eletrica no Brasil
Nessa altura de nosso raciocínio entram naturalmente as ponderações de cientistas não envolvidos nos interesses da usina nuclear, como os já citados Professores da USP Ildo Sauer e Joaquim Francisco de Carvalho. Este último afirmou categoricamente, na primeira linha de um artigo no “O Estado de São Paulo” em 6 de abril de 2011: “O Brasil pode cobrir seu consumo de energia elétrica apenas com fontes renováveis de energia primária, sem apelar para usinas nucleares”. A mesma linha de raciocínio é desenvolvida pelo físico José Goldenberg, ex-reitor da USP, que discorda da opção nuclear por países que ainda tem ouras fontes de energia que podem ser exploradas, como é o caso do Brasil .
No O Globo de 4 de abril o Professor Joaquim Francisco de Carvalho já dissera: “o Brasil não precisa correr o risco de acidentes em usinas nucleares, pois aqui a energia pode vir praticamente toda de um sistema hidro-eólico, com mínima complementação térmica a gás natural. E complementara: dessa forma será possível “armazenar” parte do imenso potencial eólico brasileiro em: reservatórios hidrelétricos, aumentando significativamente o fator de capacidade do sistema elétrico interligado”. E terminou lamentando: “É pena que as autoridades do setor não percebam isso”.
Ambos os Professores escreveram, em artigo conjunto publicado no O Globo de 23 de novembro de 2011: um sistema interligado hidro-eólico teria capacidade suficiente para oferecer eletricidade à população brasileira em escala comparável à de países de alto nível de qualidade de vida, como a França, a Alemanha e a Grã Bretanha. A reserva de segurança do sistema hidro-eólico seria constituída pelas termelétricas a gás já existentes nas diversas regiões do país, que seriam acionadas apenas nos raros períodos hidro-eólicos críticos, com mínimo impacto sobre o custo da energia produzida pelo sistema interligado.
Antecipando-se à provocação do lobby nuclear, perguntando-lhes se sua oposição a usinas nucleares os levaria a optar por construir mais Belos Montes, eles esclareceram, em artigo publicado em 13 de maio no O Globo: “um aproveitamento como o de Belo Monte” poderia ter dado lugar “a hidrelétricas com reservatórios pequenos, escalonados ao longo dos rios, com melhores atributos socioambientais. Para suprir pequenas cargas isoladas, seriam instalados mini-aproveitamentos motorizados com turbinas hidro-cinéticas, evitando a construção de malhas de transmissão pela floresta. E completaram: é indispensável que se faça um inventário dos aproveitamentos hidráulicos e eólicos, ordenando-os por mérito econômico e socioambiental; e que se institucionalize um processo decisório submetido a controle público, para organizar a seqüência das usinas a serem construídas e descartar as que apresentarem problemas insuperáveis” .
Indo mais longe, eles afirmaram no artigo publicado em O Globo de 23 de novembro de 2011, supracitado: “O Brasil dispõe de fontes energéticas muito mais econômicas do que o urânio, que, ademais, são renováveis e não oferecem riscos de acidentes catastróficos como os de Chernobyl e Fukushima. Entretanto, alguns funcionários de estatais argumentam que as usinas nucleares são indispensáveis “para aproveitar as 309.000 toneladas de minério de urânio existentes no Brasil” . A nosso ver, usar esse urânio para gerar eletricidade, seria o mesmo que começar a fumar (mesmo sabendo que esse vício é letal) só porque um comerciante oferece cigarros de graça”...
E não puderam deixar de sonhar, como deveriam fazer nossos responsáveis políticos:
“Mediante o aproveitamento de seu inigualável potencial energético renovável (energias hidrelétrica, eólica, fotovoltaica, etc.), o Brasil poderia se transformar no primeiro grande país do mundo a ter um sistema elétrico inteiramente sustentável, vantagem que colocaria a indústria brasileira entre as mais competitivas do mundo”.
Na perspectiva do sonho, pode-se também falar, para criar um quadro mais otimista, de outras experiências em curso na Europa, como a de hélices movidas pelas correntes marítimas no fundo dos mares, ou a geração descentralizada de energia, de fonte eólica e solar, capaz de suprir necessidades menores como as domesticas ou de pequenas empresas e mesmo de alimentar, com remuneração, as redes principais com sua produção excedente. Como poderíamos pensar, absolutamente dentro do objetivo do crescimento econômico, na potencialmente alta possibilidade de desenvolvimento da indústria dedicada à produção de equipamentos eólicos e solares em vez de reatores atômicos. Inclusive baseando-nos, por incrível que pareça, em programas já em curso no Ministério das Minas e Energia visando objetivos desse tipo.
Na perspectiva da ação podemos considerar tudo que poderia ser feito, pelos nossos governos, em programas reeducativos de toda a população para o consumo consciente de energia. E, em nosso clima tropical, revendo os currículos das escolas de engenharia e arquitetura, para que nossas construções não nos obriguem a trabalhar fechados em salas com luz artificial e ar condicionado ,.
Uma ultima observação me parece importante: tanto o professor Joaquim Carvalho como o Professor Ildo Sauer, acima citados, se dispõem a esclarecer os senhores Bispos, em reunião do Conselho Permanente ou na Assembleia Geral, sobre as dúvidas que tenham sobre a questão nuclear no Brasil.
III – O que fazer?
Terremotos e maremotos, que parecem não ameaçar nosso país, estão fora do controle dos seres humanos. Mas a longa lista de acidentes já ocorridos no mundo, por falhas humanas, de máquinas e de projeto, tem que nos alertar. Poderemos ficar observando tranquilamente o que venha a ser decidido e feito em nosso país, como um assunto secreto, até que o pânico nos domine? O mínimo a exigir na questão nuclear é a transparência máxima.
Temos a obrigação de evitar as tragédias evitáveis, mais ainda quando atingem um numero incontável de nossos irmãos e irmãs em várias gerações, como ocorre com os acidentes nucleares. Temos que interromper a produção atualmente ininterrupta de lixo atômico que se deixará como herança às futuras gerações. Temos o dever de evitar que a tentação de tornar nosso país uma potência atômica tome conta de nossos governantes.
Se forem verdadeiras as afirmações do monge de Hokaido, já citadas (“existe um antagonismo básico e fundamental entre a continuidade da espécie humana e o uso da energia nuclear”), estamos diante de um problema ético especialmente grave. Por isso mesmo já há muita gente no Brasil que está se mobilizando com esses objetivos. Cabe a cada um de nós dar a sua contribuição.
1. Plebiscito e outras iniciativas parlamentares
Muitos de nós já cogitaram propor um plebiscito no Brasil sobre a opção nuclear, nos moldes daquele que foi realizado na Itália quando o desastre de Fukushima estava ainda quente na memória coletiva. E nesse sentido já rapidamente agiram o deputado Ricardo Izar (ex-PV de São Paulo) e o senador Eduardo Suplicy (PT de São Paulo), apresentando projetos de lei com esse objetivo na Câmara e no Senado.
Apesar desse tipo de consulta ser de fato a forma mais democrática de tomar grandes decisões políticas, seria temerário realizá-la. Não podemos ser ingênuos. Menos ainda diante de uma decisão de consequências quase eternas. Sabemos que o poderio do lobby nuclear no Brasil, frente a um plebiscito, mobilizaria muitos de seus imensos recursos para enfeitar com agradáveis cores a opção nuclear e consolidaria suas alianças com tecnocratas, políticos corruptos e empresários gananciosos. Nossa vitória num tal plebiscito não obstaculizaria a continuidade de pequenos negócios mas de enormes interesses comerciais, de países como por exemplo a França, cuja empresa gigante AREVA exporta equipamentos nucleares para todo o mundo, e em seguida arranca suculentos contratos de assistência técnica, reposição de peças, etc. Grandes lobbies internacionais se juntariam aos interesses dos brasileiros mais ávidos de dinheiro e poder. Eles procurariam por todos os meios desqualificar os que se opõem à energia nuclear (como o faz o Presidente Sarkozi, na França, perguntando aos seus concidadãos se preferem voltar à luz das velas...), ou embaralhar a compreensão da questão, à qual não faltam aspectos técnicos extremamente difíceis.
Por outro lado, como seres humanos temos uma enorme capacidade de nos esquecer de tragédias, o que é psicologicamente explicável, para conseguirmos sobreviver à dor. Ou seja, até as emoções mais fortes passam, como já passou todo o medo que tomou conta dos europeus quando a nuvem radioativa produzida pelo acidente de Chernobyl se espalhou pelos céus da Europa. Se a BBC fizesse nova pesquisa entre nós nos dias de hoje, será que o resultado seria tão contundentemente contrário a novas usinas nucleares, já que uma boa parte dos 79% que era contra aceitava que Angra I e II continuassem a funcionar e até que se construísse Angra III?
A desinformação é generalizada. Sabemos muito pouco dos diversos aspectos envolvidos na questão nuclear e sobre todos efeitos da opção nuclear. O resultado de um plebiscito que autorizasse a construção de usinas seria mais desastroso que um acidente que ocorra em uma de nossas usinas – que Deus nos guarde desse pesadelo. Porque a industria nuclear se sentiria legitimada pela vontade popular para implantar usinas nucleares pelo Brasil afora, aumentar a mineração de urânio ao máximo, criar depósitos de lixo atômico, descarregando nos ombros de todos nós a responsabilidade de deixar essa terrível herança aos nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos, e seus descendentes por muito tempo...
Deixando de lado o plebiscito, outros parlamentares (Deputado Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, e Senador Cristovão Buarque, do PDT do Distrito Federal) apresentaram projetos de emenda constitucional (PECs), para os quais já têm o numero regimental de assinaturas em cada uma das Casas, vedando a construção de novas usinas nucleares no Brasil. Há também outras iniciativas parlamentares de cujos detalhes não disponho.
2. A resistência da sociedade
Mas a sociedade civil também vem se movimentando. Ainda no mês de março de 2011, em que ocorreu o desastre do Japão, muitos brasileiros e brasileiras, depois de participarem de iniciativas a nível internacional , começaram a discutir como agir em nosso pais contra a loucura nuclear. Realizaram-se então no dia 15 de abril, concomitantemente no Rio de Janeiro e em São Paulo (por pura coincidência na mesma data), duas reuniões com o objetivo de organizar os interessados em lançar algum tipo de ação.
A reunião de São Paulo, realizada na USP por iniciativa de professores dessa Universidade , resultou na criação de uma “Coalizão contra Usinas Nucleares no Brasil”, voltada especificamente para a luta contra a construção de novas usinas, pelo desmantelamento de Angra I e II e pela interrupção da construção de Angra III. Reunindo pessoas e organizações já engajadas nessa luta, como, entre outras, Greenpeace, a “Coalizão” logo redigiu um Manifesto, apresentado no anexo VI deste texto, que pouco a pouco recebeu mais de 800 assinaturas de adesão.
A reunião no Rio, realizada por iniciativa, entre outras pessoas, de integrantes da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, com o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil, resultou na criação de uma “Articulação Antinuclear Brasileira”, que abrangia participantes de todo o Brasil e incluía em seus propósitos, alem da luta contra novas usinas e pelo desmantelamento de Angra I, II e III, a luta contra a mineração de urânio, contra o lixo atômico e contra o transporte de materiais radioativos, e pelo apoio às vitimas do acidente com o césio 137 em Goiânia. A “Articulação” também redigiu seu Manifesto, apresentado no anexo V deste texto, imediatamente assinado pelas 21 pessoas que a criaram, representando suas organizações, e divulgado em maio de 2011 no 1º Festival Internacional de Filmes sobre Energia Nuclear “Urânio em Movi(e)mento”, no Rio de Janeiro; na Semana de Meio Ambiente da UFBA (Salvador-Ba) em 1º de junho, e, em 2 de junho, na Semana de Meio Ambiente de Caetité (Ba).
A “Coalizão” e a “Articulação” logo se entrosaram, realizando reuniões conjuntas mas mantendo sua autonomia, criaram listas de discussão na Internet, dotaram-se de blogs para se comunicar com a sociedade (brasilcontrausinanuclear.com.br e antinuclearbr.blogspot.com).
3. Ações em curso
As ações que estão resultando dessa mobilização e organização são de vários tipos.
3.1. O trabalho de esclarecimento da população.
Dada a absoluta e urgente necessidade de acordar muito mais gente para nos defendermos do que já está caindo sobre nossas cabeças, estão pouco a pouco se multiplicando os instrumentos (textos, folhetos, dossiês, cartazes) sobre os riscos nucleares, a serem difundidos em escolas, sindicatos, igrejas, associações de moradores, rádios comunitárias. Este trabalho, ainda vagoroso, está começando a ganhar ritmo, para o que se espera contar com os efeitos das diversas outras iniciativas. Mas teríamos que chegar rapidamente ao ponto em que se chegou, por exemplo, na cidade de Mielno, na Polônia onde o Governo pretendeu implantar uma usina nuclear: um plebiscito lá realizado no dia 12 de Fevereiro de 2012 contou com a participação de 57% de sua população e 94% desses participantes disseram Não à usina .
Cabe fazer neste aspecto menções especiais à potencialidade de três iniciativas já tomadas no trabalho de esclarecimento e mobilização:
- Caravana organizada entre os dias 28 e 31 de outubro de 2011pelo Movimento Ecosocialista de Pernambuco (que participa da Articulação e da Coalizão) às quatro cidades da beira do São Francisco onde o governo anunciou que construiria centrais nucleares: Belém do São Francisco, Floresta, Itacuruba e Jatobá. No final da caravana, que levou a discussão da questão das usinas a toda a população dessas cidades (ver convite para participar no anexo VII), foi redigida uma “Carta de Itacuruba” (ver no mesmo anexo VII). Um cordel, forma poética tradicional no Nordeste do Brasil, foi composto por um dos participantes. (ver anexo VIII) ;
- disponibilização, para difusão geral, pela ONG Uranium Film Festival (www.uraniumfilmfestival.org), dos 70 filmes que ela já reuniu denunciando o nuclear e que compõem o seu “Arquivo amarelo”; os membros dessa ONG estudam a proposta de equipar uma (ou se possível mais de uma...) kombi, com projetores para circular pelo Brasil afora com filmes sobre o nuclear. Só podemos esperar que surjam muitas pessoas dispostas a apoiar esta iniciativa, que poderia ter uma repercussão decisiva no trabalho de esclarecimento e mobilização;
- oficina realizada em conjunto pela “Articulação” e pela “Coalizão” no Fórum Social Temático Rumo à Rio+20, no dia 26 de janeiro de 2011, que atraiu 50 pessoas que puderam ouvir testemunhos e ter informações sobre o propósito de construir usinas no Brasil, sobre a mineração e sobre o acidente do cesio 137 em Goiânia, alem de poderem assinar a Iniciativa Popular com sugestão de Emenda Constitucional (PEC) vedando a construção de usinas.
3.2. A pressão contra a Garantia Hermes na Alemanha
A já citada pressão para que o parlamento alemão suspenda a Garantia Hermes para a construção de Angra III parece ser a ação mais urgente e mais estratégica a desenvolver. Sem essa Garantia, o negócio deve se tornar menos atraente para a Areva-Siemens (consorcio criado em 2005 substituindo a Siemens-KWU, que constrói Angra 3) e sua suspensão obrigará a que se monte todo um novo esquema financeiro, que poderá atrasar ainda mais a obra e possivelmente inviabilizá-la. E a interrupção de Angra ampliará a discussão sobre usinas nucleares no Brasil.
A ONG ambientalista alemã Urgewald está bastante empenhada nessa pressão, há vários deputados alemães que já estão se posicionando contra a concessão da Garantia, por não concordarem com a moral dupla em que essa concessão se apóia; vários deputados brasileiros enviaram cartas nesse sentido a parlamentares alemães; duas dezenas de organizações brasileiras enviaram uma carta conjunta aos mesmos destinatários com os mesmos objetivos; cinquenta personalidades internacionais, como já citado, movidos pelas mesmas razões éticas entregaram um apelo ao governo alemão para que reveja os critérios de concessão da Garantia, e a ordem dos Advogados do Brasil prepara o envio de uma mensagem aos parlamentares alemães sobre a insegurança jurídica da obra de Angra III, que poderá ser suspensa e até embargada se o Superior Tribunal Federal do Brasil acolher sua Arguição quanto à sua ilegalidade. Alem dessas pressões na Alemanha, Greenpeace fez mobilizações com o mesmo objetivo na Argentina e no Chile
O Parlamento alemão deverá tomar essa decisão na ultima semana de Fevereiro, razão pela qual é extremamente preocupante a viagem que a Presidente Dilma fará aquele pais exatamente nessa data, como já foi dito anteriormente.
3.3. Iniciativa Popular de proposta de PEC
No quadro de uma campanha mais ampla com o titulo “Brasil livre de Usinas Nucleares”, a Coalizão e a Articulação elaboraram uma Iniciativa Popular visando a apresentação, no Congresso Brasileiro, de um projeto de Emenda Constitucional – PEC, vedando a construção de novas usinas no Brasil e determinando o desmonte de Angra I e II e a interrupção da construção de Angra III.
Como se sabe, a Iniciativa Popular é um instrumento de participação dos cidadãos na elaboração legislativa criado pela Constituição de 88, exigindo que o projeto seja subscrito por 1% do eleitorado, o que corresponde hoje a perto de um milhão e meio de assinaturas. Esse instrumento só pode, porem, ser utilizado para a apresentação de projetos de lei, e não de emendas constitucionais. Sabe-se, no entanto, também, que na prática nenhuma Iniciativa Popular tramita como tal, pela impossibilidade material de verificação do número e da validade das assinaturas, sem o que as leis que delas resultem poderiam ser contestadas por vicio de iniciativa. Diante disso, foi adotado, nas três Iniciativas Populares já apresentadas ao Congresso nestes 23 anos, o sistema de transformá-las em Iniciativas Parlamentares, assinadas por parlamentares que mereçam a confiança das organizações que as promovem. Nesse quadro as assinaturas de 1% do eleitorado tem acima de tudo um peso político e não formal.
Ora, isto permite que se promovam Iniciativas Populares de Emenda Constitucional, que se tornam assim “propostas de PEC” a serem assumidas pelos parlamentares que as assinariam se fossem um simples projeto de lei, tendo no entanto que obter o numero mínimo de assinaturas de parlamentares exigido constitucionalmente. Esse é portanto o processo que está sendo usado no caso da Iniciativa Popular proposta pela “Coalizão” e pela “Articulação”.
Trinta organizações assumiram até agora a condição de proponentes e 10 a de apoiadoras da Iniciativa Popular, e as folhas assinadas começam a se acumular. Dada a urgência da iniciativa, que é um instrumento importante para colocar a questão nuclear em debate, no trabalho de esclarecimento da população, não foi possível esperar pela CNBB. Mas ainda está em tempo, já que a cada dois ou tres meses publicamos uma nova edição do formulário de coleta de assinaturas, agregando os nomes daquelas entidades que vão se associando ao esforço. E está em tempo, mais ainda, da CNBB se associar à coleta de assinaturas, repetindo sua experiência com a Lei 9840 e com a Lei da Ficha Limpa. Se me fosse autorizado sonhar, ficaria imaginando a possibilidade dessa decisão ser tomada na próxima Assembleia Geral...
3.4. A comemoração do 1º aniversário do desastre de Fukushima
Uma ONG francesa, país do mundo mais encalacrado na armadilha do nuclear, chamada “Sair do Nuclear” (Sortir du Nucléaire) está promovendo uma “corrente humana” ligando as cidades de Lyon e Avignon, região onde estão muitas das usinas nucleares daquele país, no dia 11 de março de 2012, data em que se comemora o 1º aniversário do desastre de Fukushima. Será um ato de solidariedade aos japoneses e de protesto contra o uso da energia nuclear para produzir energia elétrica.
Essa ONG está convidando pessoas e organizações do mundo todo a fazerem o mesmo em seus paises, nessa mesma data. Em muitos lugares algo está sendo organizado. No Brasil já há atividades desse tipo sendo preparadas pelo menos em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Angra dos Reis, Salvador da Bahia, Caitité (onde se encontra a mina de urânio). Atos em outras cidades se agregarão, todas combinando a atividade com a coleta de assinaturas na Iniciativa Popular.
Ao que parece o Templo Budista de Brasília organizará alguma coisa também nessa data. Fica o convite para que algo se faça na capital federal.
3.5. A constituição de uma Frente Parlamentar e Chernobyl
Está sendo discutida a formação de uma Frente Parlamentar por um Brasil Livre de Usinas Nucleares. Como vários parlamentares escreveram aos seus colegas alemães sobre a concessão da Garantia Hermes, eles já constituem uma base para a formação dessa Frente, que seria fundamental para que se pudesse aprovar no Congresso a PEC que estamos propondo.
Ao mesmo tempo, a ONG suíça “Cruz Verde Internacional”, fundada por Gorbatchev, está estudando a possibilidade de uma comitiva de parlamentares brasileiros integrarem a delegação (com suíços, alemães e franceses) que fará uma visita a Chernobyl de 23 a 27 de abril próximo. Tais visitas tem se revelado decisivas: os que delas participam se convencem da necessidade de abolir definitivamente o uso de usinas nucleares para produzir eletricidade. Foi proposto igualmente que uma representação dos Bispos brasileiros participasse dessa delegação.
3.6. Rio + 20
A realização da Conferência das Nações sobre meio ambiente no Rio em Junho próximo, a chamada Rio+20, será uma oportunidade de ouro para que a sociedade brasileira mostre ao resto do mundo que está decidida a extirpar de nosso território a terrível ameaça dos acidentes nucleares e do lixo atômico. Se tivermos chegado até lá a um número significativo de assinaturas em nossa Iniciativa Popular, caberia dentro dessa Conferência um ato comemorativo importante, ao qual se somariam todos os que, em outros países do mundo, vem lutando pela mesma causa. A constituição nessa ocasião de uma Coalizão Mundial contra Usinas Nucleares, ou por um Mundo Livre de Usinas Nucleares, poderia ser um marco importante da história da humanidade, ou de uma Humanidade que pensa nas gerações futuras.
A guisa de conclusão, eu tomaria a liberdade de dizer, como cristão, que a CNBB não pode se ausentar desse debate. Mais do que isso, deveria contribuir com toda a força que tem para que ele se espalhe por todo o país, imediatamente, antes que seja tarde
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